PAINEL II Quadro Europeu de Qualificações

A Perspectiva das Organizações Profissionais

Moderador – Rui Alarcão

Intervenções

Madalena Patrício1

Começo por agradecer o convite para estar aqui presente, que considero uma honra e um enorme prazer. Sou docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e, também, presidente da AMEE (Association for Medical Education in Europe), uma associação com membros em mais de 90 países nos cinco continentes.

Centrarei a minha intervenção no Processo de Bolonha com destaque especial na implementação do sistema dos dois ciclos nos currículos dos cursos médicos. Proponho abordar os seguintes pontos:

O Processo de Bolonha – linhas de acção O modelo dos dois ciclos Situação nos países que assinaram a Declaração de Bolonha A situação em Portugal O modelo na prática – argumentos em debate Currículo em espiral – uma proposta

Porquê o destaque do modelo dos dois ciclos, porquê este objectivo entre todos os definidos para o Processo de Bolonha? Porque a implementação deste objectivo foi a que gerou, e continua a gerar, maior controvérsia, não só em Medicina, mas também em outras áreas, levando muitos países, seguramente os menos informados, a criticarem o Processo de Bolonha.

1 Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

1. Processo de Bolonha – Linhas de acção

Em 1999, os ministros europeus responsáveis pelo Ensino Superior de 29 países assinaram a Declaração de Bolonha, elegendo como prioridade a criação da European Higher Education Area2 (EHEA), a ser alcançada até 2010.

A Declaração – que deve ser entendida como o primeiro passo na construção do Processo de Bolonha –, surge em 1999 sem qualquer estrutura organizacional ou suporte financeiro, o que inicialmente levou muitas instituições a considerarem-na um mero processo de intenções. Hoje, o número de países que aderiram ao Processo de Bolonha é de 46,

o que mostra o impacto desta iniciativa dentro e fora da UE. (http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/)

Com a criação da EHEA pretendia-se, em 1999, aumentar a competitividade a nível internacional, a empregabilidade e mobilidade dos cidadãos. Foram seis os objectivos inicialmente definidos:

introduzir graus legíveis e comparáveis; implementar um sistema baseado em dois ciclos; uniformizar o sistema de créditos (ECTS); promover a mobilidade; garantir a qualidade; promover a dimensão europeia no Ensino Superior.

Estes objectivos foram sendo sucessivamente reformulados nas várias reuniões que, de dois em dois anos, foram marcando as diferentes etapas do Processo de Bolonha. Assim, nas Conferências Ministeriais de Praga e Berlim (2001 e 2003), acrescentaram-se novos objectivos, a saber:

2 Espaço Europeu de Ensino Superior.

í promover a Aprendizagem ao Longo da Vida; í envolver as instituições e os estudantes; í aumentar a atracção e competitividade da área europeia; í promover a área europeia de investigação.

Promoviam-se, igualmente: garantia de qualidade; sistema em dois ciclos; e reconhecimento de graus e períodos de estudo.

Como se pode verificar, a implementação do sistema em dois ciclos aparece neste período como um dos objectivos do processo. Até esta altura, não há qualquer referência ao terceiro ciclo, que surge pela primeira vez na Conferência de Bergen (2005) e, mais tarde, em Londres (2007), em que aparece associado à ideia de empregabilidade e de outras prioridades:

í definir standards/directrizes para garantia da qualidade; í implementar frameworks nacionais das qualificações; í reconhecimento de joint degrees; í criar oportunidades para uma aprendizagem flexível; í promover a mobilidade; í atender à dimensão social; í criar um banco de dados; í promover a empregabilidade (três ciclos); í contexto global da EHEA.

A ideia de empregabilidade subjacente ao Processo de Bolonha surge, neste momento, de forma inequívoca. Outro dos conceitos de referência nesta data é o de aprendizagem flexível, referido anteriormente pelo Prof. Pedro Lourtie. Estes objectivos e prioridades foram posteriormente retomados nas linhas de acção definidas para o período entre 2007 e 2009, ou seja, para o período que antecede a Conferência

Ministerial, a realizar nas Universidades de Leuven e Louvain-la-Neuve, em 28 e 29 de Abril de 2009 e que são:

í Quadro de Qualificações / sistema em três ciclos; í atribuição de graus em conjunto; í mobilidade; í reconhecimento de qualificações; í garantia da qualidade; í dimensão social; í empregabilidade; í Aprendizagem ao Longo da Vida; í EHE no contexto global; í Stocktaking;

í Bolonha para lá de 2010.

Na minha intervenção centrar-me-ei apenas nos dois ciclos iniciais (Bachelor e Master), uma vez que o terceiro ciclo (Doctorate) não levanta qualquer discussão. Como foi já referido, a implementação deste modelo é o objectivo que ao longo dos tempos tem marcado a discussão em torno do Processo de Bolonha. Antes de avançarmos para os argumentos em debate importa clarificar os graus subjacentes ao modelo:

í o sistema em dois ciclos é também conhecido por BA/MA Model (Modelo BA/MA);

í o Bachelor/BA (Bacharelato/BA) é o título a atribuir no final do primeiro ciclo em todos os países que adoptaram o modelo, com excepção de Portugal;

í o Master/MA (Mestrado/MA) é o título a atribuir no final do segundo ciclo e corresponde ao grau de licenciado no sistema curricular anterior a Bolonha;

í um estudante com BA pode candidatar-se ao MA em outras áreas;

í a conclusão do Master corresponde ao acesso à profissionalização, com excepção de Medicina, em que ainda existe o período de pós-graduação (acesso à especialidade);

í o Processo de Bolonha respeita a autonomia das escolas, a quem cabe decidir sobre a duração e conteúdos de cada ciclo – o processo apenas define a estrutura básica curricular;

í não se podem confundir os Masters no contexto de Bolonha com os antigos Mestrados.

Devido à sua especificidade, a Medicina foi aceite desde o início do Processo de Bolonha como área de excepção, podendo cada país decidir sobre a implementação ou rejeição do referido modelo.

Dissemos também que o modelo não impõe conteúdos, não impõe ECTS, não define o currículo, apenas define e pede uma estrutura básica. Neste contexto, o modelo não força a uniformização, mas apenas define patamares de harmonização que facilitem a empregabilidade e a mobilidade.

Há ainda um ponto que importa referir e que tem a ver com o facto de a Declaração de Bolonha ter sido assinada apenas pelos ministros do Ensino Superior (ou ministros da Educação) de cada país, sem envolvimento dos ministros da Saúde. No caso de Medicina, este aspecto trouxe, e traz ainda, dificuldades ao processo, porque a regulação do acesso à profissionalização para o exercício profissional autónomo depende em muitos países, exclusiva ou parcialmente, dos ministros da Saúde.

Pelas prioridades definidas pode perceber-se que existe uma lógica subjacente ao Processo de Bolonha, o que não implica uma “agenda escondida”. Na verdade, não existe uma “agenda puramente económica”, tal como foi hoje referido pelo Prof. Marçal Grilo, mas sim uma lógica de

reconhecimento e valorização das aprendizagens anteriores, ideia que julgamos muito pertinente.

2. Implementação do modelo nos 46 países que assinaram Bolonha

A menos de um ano do prazo definido para alcançarmos a Desired Harmonization, a pergunta que importa colocar é qual será a situação a nível dos dois ciclos em Medicina, ou seja, qual a situação em 2009 nos 46 países signatários.

Esta é a questão a que a AMEE tem procurado responder desde há alguns anos. Para tal organizámos um workshop intitulado State of the implementation of the Bologna 2-cycle format in European Medical Education, aproveitando a oportunidade criada pela Conferência da AMEE, em Génova (2006), na qual estiveram presentes mais de cem participantes oriundos de catorze países. O objectivo era apenas comparar e contrastar os diversos modelos curriculares em vigor em cada país, para o que elaborámos um curto questionário. A surpresa foi grande quando analisámos os resultados.

Constatámos que muitos dos participantes desconheciam o que estava a passar-se com o modelo dos dois ciclos, ou seja, docentes, discentes e investigadores interessados em Educação Médica (caso contrário não participariam no workshop) desconheciam aquilo que estava a passar-se no seu próprio país em termos do Processo de Bolonha. Havia participantes “a favor” e outros “contra o modelo”, mas o mais estranho foi o facto de muitos desconhecerem o quadro legal do próprio país, o que levou a que obtivéssemos respostas contraditórias sobre o modelo em vigor relativamente ao mesmo país. Concluímos que, em 2006, apesar de não faltarem opiniões, o desconhecimento acerca do Processo de Bolonha era ainda muito grande.

Continuando a pergunta sem resposta, decidimos em 2007 consultar os National Reports elaborados por cada país antes das Conferências Ministeriais, julgando neles poder encontrar a informação desejada. Com este intuito analisámos os Relatórios Nacionais de 2005 e de 2007 e fomos, mais uma vez, surpreendidos com a falta de informação. Após esta pesquisa, continuávamos sem perceber quais os países que teriam aderido ao modelo dos dois ciclos. Só para dar uma ideia da falta de informação relativa a Medicina, nas 620 páginas dos Relatórios de Bergen apenas encontrámos catorze referências à área da Medicina, número que em 2007 baixou para dez.

Decidimos, então, realizar um curto inquérito (uma página A4), que designámos por State of the implementation of the Bologna 2-cycle format in European medical education. O objectivo mantinha-se, ou seja, tratava-se de conseguir obter informação fiável quanto à situação legal em cada país. O inquérito foi uma iniciativa conjunta da AMEE e da MEDINE (Rede Temática Europeia em Educação Médica, financiada pela UE). O inquérito foi inicialmente dirigido ao Bologna Follow Up Group (BFUG), órgão constituído pelos representantes dos ministros da Educação responsáveis por liderarem a implementação do Processo de Bolonha em cada país. Pareceu-nos ser esta a metodologia mais indicada, visto que o inquérito não pretendia obter opiniões ou reacções ao processo mas, apenas, informação credível sobre o respectivo quadro legal.

A taxa de resposta foi de 100%, mas o processo não foi fácil, tendo demorado quase um ano, o que em si mesmo é um importante indicador. Responderam 41 países, ou seja, todos os que em 2007 tinham pelo menos uma Escola Médica3. Apenas 11 dos 41 países responderam através do representante do ministro em cada país. Este é por si só um dado importante, porque demonstra que, em 2007, em 2/3 dos países o próprio elemento do BFUG não estava a par da situação legal do seu

3 Luxemburgo, Andorra, Vaticano, Chipre, Liechtenstein são os países sem Escola

Médica. Obtivemos duas respostas por parte da Bélgica (relativamente à Flemish e

French Community).

país. Relativamente aos países que não responderam através do BFUG, foi necessário reenviar o inquérito a quem pudesse responder de forma fiável, o que foi conseguido4 em:

11 países, junto de Reitores, Deans ou Vice-Deans, etc.;

8 países, junto de coordenadores de programas e instituições, por exemplo, ERASMUS, SOCRATES, MEDINE, WFME, etc.;

8 países, junto de docentes universitários, etc.;

6 países, junto de ministros, conselheiros, secretários de Estado, etc.

Estranhámos a falta de clareza a este nível, porque a questão colocada no inquérito era muito simples. Perguntámos: “Qual a decisão legal no seu país relativamente à implementação dos dois ciclos em Medicina?”, tendo sido dadas quatro opções de resposta:

não adoptar o modelo dos dois ciclos;

a decisão cabe às Escolas Médicas;

adoptar os dois ciclos em todas as Escolas Médicas;

decisão ainda não tomada / ainda em discussão.

Baseados nas respostas recebidas, concluímos que dezanove países (46.3%) decidiram “não adoptar o sistema”; sete, legislaram no sentido da “adopção do modelo por todas as Escolas Médicas” (17.1%); quatro, “entregaram a decisão às Escolas Médicas” (9.8%); e os restantes onze “ainda não decidiram” (26.8%).

4 Categorias “não exclusivas”, visto alguns dos respondentes terem indicado mais do que uma função.

Se olharmos para os resultados com mais atenção, concluímos que se adicionarmos as percentagens dos que entregaram a decisão às Escolas Médicas (9.8%) com os que ainda não decidiram (26.8%), chegamos a um total de 36%. Este valor é por si só indicativo da necessidade de debate nesta área.

Entre os países que implementaram os dois ciclos encontra-se Portugal, para além da Bélgica, Dinamarca, Holanda, Arménia, Islândia e Suíça. Relativamente aos países fora da UE, a percentagem dos que decidiram não adoptar o modelo excede a percentagem encontrada junto dos países da UE (52.9% vs 41.7%). Ver Fig.1.

Figura 1. Implementação do modelo dos dois ciclos nos países da UE [(n=24) vs fora da UE (n=17)]

Com base nos resultados foi possível perceber que o modelo dos dois ciclos já estava implementado nas restantes áreas do conhecimento. Foi também patente uma grande variabilidade no que toca ao número de escolas em cada país, com países como a Turquia com 50 escolas médicas e outros, como Montenegro, Estónia, Malta, República da Moldávia e Islândia, com apenas uma escola médica. No meio

encontram-se países com 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 27, 28, 34, 40 e 41 escolas.

Perante esta variabilidade sentimos quão importante seria implementar Bolonha, promovendo o que hoje já foi referido como “diferença organizada”. A importância da transparência dos sistemas curriculares, do reconhecimento de percursos e graus, da flexibilidade nos percursos individuais são características cada vez mais prementes no mundo de hoje, mundo sem fronteiras, tão bem descrito por Thomas Friedman no livro que intitulou A Flat World.

Relativamente ao título atribuído no final do curso, deparámos com igual variabilidade, independentemente do modelo curricular ser baseado em um ou dois ciclos. Há títulos claramente do âmbito profissional/médico (por exemplo, Diploma Specialist, Diploma Medical Doctor, General Physician, etc.), enquanto outros são claramente mais académicos (Master Science Medicine, Master Science Diploma, Master of Med Professional etc.) A questão que se levanta é se haverá vantagem nesta variabilidade. Julgo que será outro aspecto que valerá a pena repensar, não comprometendo a autonomia das escolas.

Tudo o que acabei de referir sobre este estudo vai ser publicado, no próximo mês de Agosto, na revista Medical Teacher num artigo intitulado Implementation of the Bologna two-cycle system in medical education: Where do we stand in 2007?- Results of an AMEE-MEDINE survey. Nele poderá encontrar-se informação detalhada e uma discussão alargada sobre o que está em jogo com a implementação do modelo dos dois ciclos. Apesar de baseado nos resultados de um estudo realizado na área médica, as conclusões e soluções apresentadas são transferíveis a outras áreas do conhecimento.

3. A situação em Portugal

Tal como já referimos, em Portugal foi adoptada a designação de licenciado no final do primeiro ciclo, contrariamente ao que aconteceu

nos restantes países que aderiram à Declaração de Bolonha, onde a designação é de Bachelor (Bacharelato), o que não parece fazer muito sentido. Na verdade, somos o único país a atribuir esse grau, e esta situação é particularmente estranha quando se trata, por exemplo, de elaborar o Diploma Supplement e quando nos confrontamos com as implicações a nível do financiamento do segundo ciclo.

No que toca ao segundo ciclo, o título atribuído é o de Master (Mestrado), ou seja, Portugal acompanha os restantes países.

4. O modelo na prática – argumentos em debate

A questão que colocámos desde o início é se a harmonização será possível e desejável no que toca ao modelo dos dois ciclos. Em Medicina temos vários argumentos contra essa implementação:

í que sentido teria uma saída após três anos em Medicina ? í que pode um médico fazer com apenas três anos de formação? í será que o modelo vai reactivar a clivagem entre o ciclo básico e

clínico? í será que precisamos de bachelors ou apenas de mais médicos? í será que o modelo implica um retrocesso em termos de integração

vertical do curso? í etc.

Julgo que, se por um lado não se justifica discutir em detalhe todos estes argumentos, visto a maioria ter que ver com aspectos específicos do curso Médico, é importante rebater a ideia de que o modelo impede a integração vertical do curso significando portanto um retrocesso. Julgamos que esta crítica não se justifica porque a integração vertical é possível com o modelo dos dois ciclos se adoptarmos, por exemplo, a filosofia do currículo em espiral como uma das propostas possíveis.

5. Currículo em Espiral – uma proposta

Curiosamente, a proposta do currículo em espiral (Harden R, Stamper N, 1999) surge pela primeira vez num artigo publicado na revista Medical Teacher, no mesmo ano em que a Declaração de Bolonha foi assinada.

Vejamos, agora, se o currículo em espiral poderá ser uma proposta para resolver a integração dos ciclos. Nele, o aluno, a partir do início do curso, vai percorrendo sucessivas espirais cada vez mais complexas. Neste modelo (ver Fig. 2), deixamos de ter os anos curriculares organizados por disciplinas individualizadas (muitas vezes sem qualquer integração horizontal ou vertical), para passarmos a um modelo onde o aluno em cada ano revisita os conteúdos anteriores, numa dificuldade crescente e abrangente com o objectivo da consecução de objectivos cada vez mais complexos no domínio das atitudes, do conhecimento e das aptidões.

Figura 2. Currículo em Espiral

Falta agora verificar se a estrutura subjacente ao currículo em espiral poderá ser transferida para o sistema dos dois ciclos defendido por Bolonha, sem compromisso de integração vertical. Se neste modelo (ver Fig. 3) juntarmos a fase 1 com a fase 2 (primeiros três anos) podemos ter o Ciclo 1 (Bachelor) de Bolonha e se adicionarmos as fases 3 e 4 com o Pre-Registration year (últimos três anos) teremos o Ciclo 2 (Master) de Bolonha. Com os dois ciclos constituídos, haverá apenas que definir objectivos, explicitar as competências a serem adquiridas em cada ciclo e os respectivos ECTS.

Figura 3. Adaptação do currículo em espiral ao modelo dos dois ciclos

O modelo do currículo em espiral tem subjacente a preocupação de reforçar aquilo que foi aprendido anteriormente. A ideia é partir do “simples para o complexo”, progredindo numa “sequência lógica”, facilitada pela “integração vertical e horizontal”, de modo a “atingir objectivos cada vez mais complexos”. Todo o modelo pressupõe uma “lógica de flexibilidade”.

Com esta proposta, apenas uma entre muitas outras, é possível perceber que o modelo em dois ciclos não implica, por si só, um retrocesso e, sobretudo, não deve ser usado como desculpa para não aceitar Bolonha.

Conclusões

Em Medicina, e penso que em muitas outras áreas, estamos ainda longe da “harmonização desejada”, ou seja, estamos ainda longe de obter um consenso. Julgo que a harmonização a um certo nível é essencial e terá que ver com a “diferença organizada” já hoje aqui referida. “Harmonização” não significa “uniformização” e não implica uma perda de autonomia por parte das universidades, sendo determinante discutir e trocar ideias. Podemos aprender muito com as faculdades que já mudaram, inquirir sobre o que falhou e o que poderá ter sido a chave do sucesso na implementação do modelo. Uma das primeiras prioridades terá de passar obrigatoriamente por partilhar os processos de forma transparente.

O BFUG – ou qualquer outro órgão legal – deverá divulgar os dados referentes a cada país e cada país tem a obrigação de fornecer dados de forma não ambígua. Neste contexto, os Relatórios Nacionais deverão ser claros e cada um de nós deverá ser responsável para se manter a par do processo que, por natureza, é dinâmico. Caberá ao BFUG – ou a qualquer outra agência internacional –, colher e divulgar informação sobre o que se passa a nível de todos os países no que respeita os objectivos da Declaração de Bolonha.

Passar a ideia de “harmonização” e de “transparência” eram as mensagens que tinha em mente quando aceitei aqui vir hoje. Embora acredite nas potencialidades do modelo dos dois ciclos, o objectivo da minha participação não foi defender este modelo, mas apenas lutar pela sua clareza. Em si mesmo, o modelo não é bom nem mau. Será bom ou mau dependendo do modo como cada escola dele se apropriar, ou seja, o modo como cada uma das faculdades implementar o modelo irá

determinar a sua progressão ou regressão. Este factor é determinante e, como antes também já foi dito pelo Prof. Marçal Grilo, as instituições têm que olhar globalmente antes de olhar localmente, quando decidirem pela implementação de qualquer mudança.

Em conclusão, diria que há uma enorme necessidade de debate relativamente à implementação dos dois ciclos em Medicina e, possivelmente, também em outras áreas. Para tal, será necessária a clarificação dos graus, da terminologia e da estrutura curricular nos países da UE. O Processo de Bolonha pode ser o veículo para alcançar este fim, mas é necessário um diálogo com e entre as escolas na UE se quisermos alcançar os objectivos propostos.

E terminaria a minha intervenção com a imagem da Catedral de Bolonha (Fig. 4).

Figura 4. Catedral de Bolonha

Poderá perguntar-se, porquê esta imagem? Quanto a mim, porque evoca três ideias-chave:

a sua altura, rasgando os céus, relembra os altos objectivos do Processo de Bolonha, objectivos muito exigentes que vão muito além do que hoje aqui discutimos a propósito dos dois ciclos;

a sua inclinação relembra a necessidade de haver apoio das bases para sustentar o processo. Se todo o peso na sua condução for colocado no topo, numa abordagem top-down, o processo acabará por ruir. O desafio de Bolonha tem de ser construído por todos, ou seja, por discentes, docentes e outros stakeholders, numa abordagem bottom-up;

a sua imponência – que não deixa ninguém indiferente –, relembra o impacto do Processo de Bolonha ao desencadear reacções muito fortes e nem sempre no mesmo sentido.

Partilhemos, pois, todo o processo, aproveitando para rentabilizar o melhor possível as oportunidades por ele criadas. Na AMME, associação a que pertenço, estamos empenhados em discutir o processo. Estamos a preparar uma Declaração de Princípios, porque já não nos revemos na que publicámos em 2005 em conjunto com a WFME (World Federation for Medical Education). Ficam todos convidados a juntarem-se ao nosso fórum de discussão para debatermos Bolonha, porque, como já disse, a discussão é transversal e aplica-se a todas as áreas.

Antes de terminar, um agradecimento ao Prof. José Sebastião Feyo, delegado do Processo de Bolonha em Portugal, porque foi ele que tornou possível a obtenção das respostas a nível internacional ao facilitar a disseminação do inquérito junto do BFUG.

Referências

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http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/documents/MDC/050520_Bergen_Communique1.pdf Consultado em 26/03/08.

BERLIN COMMUNIQUÉ. “Conference of European Ministers responsible for Higher Education”. Realising the European Higher Education Area. Berlin, 2003. http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/documents/MDC/Berlin_Communique1.pdf, Consultado em 09/04/08.

BOLOGNA DECLARATION. “The European Higher Education Area”. Joint Declaration of the European Ministers of Education convened in Bologna on the 19th of June 1999. Bolonha, 1999.

http://www.ond.vaanderen.be/hogeronderwijs/bologna /documents/MDC/bologna_declaration1.pdf, Consultado em 09/04/08.

BOLOGNA NATIONAL REPORTS. “Towards the European Higher Education Area Bologna Process”. http//www.bologna-bergen2005.no/en/national_impl/05nat_rep.html, Consultado em 09/04/08.

HARDEN R a STAMPER N. “What is a spiral curriculum?”. Medical Teacher. 1999. 21(2):141-143.

LONDON COMMUNIQUÉ. “Bologna 5th Ministerial Conference”. Towards the European Higher Education Area: responding to challenges in a globalised world. London, 2007.

http//www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/documents/MDC/London_Communique 18May2007.pdf, Consultado em 09/04/08.

PATRÍCIO M, den ENGELSEN C, TSENG D, Ten Cate O. “Implementation of the Bologna two-cycle system in medical education: Where do we stand in 2007? Results of an AMEE-MEDINE survey”. Medical Teacher. 2008. 30:6, 597-605. To link to this Article: DOI: 10.1080/0121590802203512. URL: http://dx.doi.org/10.1080/01421590802203512.

PRAGUE COMMUNIQUÉ. “Towards the European Higher Education Area”. Prague Summit on Higher Education. Communiqué of the Conference of Ministers responsible for Higher Education. Prague, 2001. http//www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/documents/MDC/Prague_Communique2.pdf, Consultado em 09/04/08.bn

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http//www.bologna-bergen2005.no/Docs/03-Pos_pap-05/050221-WFME-AMEE.pdf, Consultado em 09/04/08.

Augusto Ferreira Guedes1

O tema sobre o qual fui convidado, na qualidade de engenheiro técnico e presidente da ANET, para falar neste encontro é especialmente caro à Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos. Caro porque desde sempre a ANET, como associação de direito público, entende que a estrutura curricular dos cursos com todas as possíveis idiossincrasias de cada escola, deve estar ao serviço daquilo que o mercado requer do futuro diplomado e não de outros interesses, muitas vezes pouco claros. Pena foi que no caso das engenharias não se tivesse aproveitado a implementação das directrizes do Processo de Bolonha para reunir um consenso alargado, fruto de um trabalho conjunto, quer dentro das escolas universitárias e politécnicas, públicas e privadas, quer entre a Ordem dos Engenheiros e a ANET, nomeadamente no que diz respeito às designações dos cursos de engenharia, bem como na definição de um referencial de competências e do elenco dos actos de engenharia que cada diplomado de uma especialidade deve estar habilitado a realizar, no quadro de um referencial de formação a partir do qual todas as escolas construiriam o seu currículo.

A ANET atempadamente, em 2005, publicou uma brochura onde enunciava os seus pontos de vista sobre todos estes tópicos e esperava, na altura, que com isso se fomentasse uma discussão alargada sobre este assunto. Percorremos o País, organizando sessões de apresentação das nossas propostas, distribuímos dezenas de milhares de brochuras.

1 Presidente da Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos.

Fizemos aquilo que nos pareceu ser um contributo pró-activo para esta discussão.

Contudo, outros interesses e outros valores, provavelmente mais importantes que este desígnio nacional, fizeram com que se perdesse uma excelente oportunidade de se criarem as estruturas formativas que, na opinião da ANET, melhor viriam a responder às exigências nacionais e internacionais do futuro próximo. Para a ANET, o primeiro ciclo de um curso de Engenharia deve ser uma formação de banda larga, envolvendo todos os tópicos necessários à aquisição de competências, atitudes e conhecimentos que habilitem os diplomados para o desempenho dos actos de engenharia da sua especialidade. Estas especialidades devem resultar de uma análise da evolução das diferentes áreas de Engenharia, contendo não só as especialidades clássicas, como Mecânica, Civil, Química, Energia, Electrotecnia, mas também outras que vêm encontrando a sua autonomia e o seu espaço próprio de intervenção: Informática, Segurança, Qualidade, Produção Industrial, entre outras.

A ANET, que iniciou a sua actividade com oito colégios de especialidade, possui hoje dezasseis. Após a conclusão do primeiro ciclo, é desejável que os diplomados entrem no mercado de trabalho para que adquiram o saber-fazer, para que percebam qual a sub-área de actividade pela qual têm um maior interesse e aptidão. E só depois disso deverão voltar à escola para realizarem o segundo e terceiro ciclos.

A este propósito, temos defendido que a escola não é mais o lugar onde se vai antes da entrada na actividade profissional, mas sim o local que se visita, a que se volta durante toda a vida profissional. Assim, e partindo de um conjunto pré-determinado de especialidades de Engenharia do primeiro ciclo, chega-se a um segundo ciclo, onde deve existir total liberdade para as escolas criarem as especificações que entenderem, fruto das motivações dos seus professores, das necessidades que entendam existir ou por uma outra qualquer razão. Como exemplos, podemos referir: Engenharia Civil – Estruturas, Civil, Segurança; Civil – Fiscalização de Obras; Civil – Vias de Comunicação, Informática,

Multimédia; Informática – Redes de Comunicação, Informática, Sistemas de Informação, etc.

Consideramos que interiorizar e concretizar esta ideia, além de contribuir para a entrada mais cedo no mundo do trabalho e consequentemente para o aumento da produtividade, é fundamental para que cada engenheiro, antes de optar por uma especialização, tenha uma melhor percepção do saber-fazer, podendo posteriormente optar por obter novas competências e outros graus académicos de forma mais informada.

Ao invés disso, o que aconteceu em Portugal? Foram propostos e aprovados cursos de primeiro ciclo com o mesmo nome, que conferem qualificações completamente diferentes, e outros com nomes diferentes, que conferem qualificações semelhantes. Também cursos fortemente especializados, como Redes e Multimédia, por exemplo, Informática para a Saúde, do Automóvel, Recursos Naturais e Ambiente, entre outros. Foram realizadas operações de cosmética a cursos anteriores, sem ter o cuidado de os adaptar aos conceitos propostos por Bolonha, mas antes cumprir o que obriga a legislação criada.

Diga-se, a este propósito, que a ANET não está contra a existência de cursos de mestrado integrado em Engenharia. Eles têm razão de existir, mas não são necessários para o exercício da profissão, uma vez que está provado, não só pelo nosso passado de mais de 100 anos, mas também pelo reconhecimento consubstanciado em recentes diplomas reguladores da área da energia e dos projectos para as áreas de coordenação de segurança, para a área de incêndios, de que formações curtas de três anos, seguidas de um estágio que enquadre os diplomados na profissão, habilitam os diplomados para o cabal desempenho da esmagadora maioria dos actos profissionais. Em nossa opinião, a existência de mestrados integrados justifica-se para a formação de investigadores em Engenharia, que naturalmente requerem um aprofundar do conhecimento ao nível das ciências de base e de tópicos mais especulativos, exigindo uma formação longa de cinco ou mais anos.

O que a ANET pretende denunciar é que as escolas universitárias de Engenharia, algumas escolas, tenham optado por esta forma de organizar o currículo por mera simplificação de processos e obediência a outros interesses, atrasando em muito a entrada de engenheiros no mercado de trabalho. Mesmo aqueles que justificam esta opção com a necessidade de planos curriculares mais longos para o desenvolvimento de competências e atitudes, bem como a aquisição de conhecimentos que permitam aos diplomados realizar actos de maior complexidade, estão a justificar a sua atitude com algo falacioso.

Vejamos um exemplo que está hoje em discussão, integrado na revisão do famosíssimo Decreto n.º 73/73, que regula a Engenharia Civil. Alguém no seu juízo e com total honestidade poderá dizer que um diplomado em Engenharia de ciclo longo à saída da escola, pelo facto de ter mais dois anos de formação do que um diplomado em Engenharia de ciclo curto, portanto de primeiro ciclo nas mesmas condições, está habilitado a projectar estruturas complexas definidas no artigo 30.º do n.º 4 do RSA? Claro que nem um recente diplomado do ciclo longo, nem de ciclo curto, possuem a experiência e a maturidade suficientes para o desempenho destes actos.

Para a ANET, a formação inicial é muito importante, mas não pode nem deve determinar aquilo que durante toda a vida profissional um engenheiro pode fazer. Urge mudar mentalidades, urge combater princípios corporativos e nós estaremos, como sempre estivemos, na primeira linha, denunciando tudo aquilo que, em nossa opinião, não contribua para o desenvolvimento do País em geral e da Engenharia em particular. Sobre este assunto, gostaríamos de reforçar a ideia de que para a ANET o primeiro ciclo tem que ser habilitante para o exercício profissional de Engenharia em toda a sua plenitude, competindo ao Estado, às Ordens e às Associações Profissionais definir quais os critérios necessários e suficientes para que um engenheiro técnico possa desempenhar os actos de maior complexidade.

Estes critérios terão, seguramente, de assentar em evidência de experiência profissional e de formação complementar adequada por parte do diplomado. Nesta linha de raciocínio, gostaria de deixar claro que a ANET não vê, de acordo com a lei, necessidade de um segundo ciclo de Engenharia ser subsidiado pelo Estado, pelos nossos impostos. Achamos que o segundo ciclo deve ser suportado, o seu custo real, por cada um de nós, até porque, de manhã já foi aqui dito, o retorno pelo facto de tirarmos um diploma é enorme e, portanto, devíamos ser nós a suportar esse segundo ciclo.

A ANET deposita uma enorme esperança na acção da Agência Nacional de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, criada pelo Decreto-Lei n.º 369/2007. Desde o seu anúncio que nos colocámos frontalmente a favor da sua criação, concordando que uma tarefa que nos está delegada actualmente, o registo dos cursos, seja integrada nesta nova Agência, evitando assim duplas certificações, avaliações dos pares cursos/escolas e arbitrariedades dos processos. Esperamos que esta nova Agência tenha a coragem de enfrentar mesquinhos e ancestrais poderes instituídos e que traga ao panorama do ensino superior uma maior clarividência, colocando-o ao serviço das necessidades e dos interesses nacionais. Do trabalho que se espera que seja realizado deve resultar que, nos próximos dez anos, se duplique o número de engenheiros técnicos em Portugal, número que se nos afigura fundamental para o desenvolvimento do País.

A ANET, que nunca se assumiu como uma entidade fiscalizadora do trabalho das escolas, mas antes como um parceiro pró-activo que tem a opinião de como se deve desenvolver a Engenharia em Portugal, participará de forma empenhada neste projecto, trazendo para ele todo o estudo que publicou e que continua a discutir interna e externamente sobre as qualificações que devem ser exigidas a um engenheiro ou a um engenheiro técnico nos actos de engenharia, esperando que as outras organizações de classe venham a fazer o mesmo, de modo a resultar num grande consenso em torno da qualificação/formação da fileira da Engenharia.

Enquanto a Agência não entra em funções, temos vindo a desempenhar o papel de registar os cursos, segundo duas vertentes: a pedido das escolas ou, quando tal não é possível, a pedido dos diplomados. No primeiro caso, indicámos previamente às escolas quais as qualificações na óptica profissional que esperávamos ver conferidas pelos seus cursos. Solicitámos às escolas que, através de uma grelha de evidências, mostrassem como as competências e os conhecimentos necessários ao desenvolvimento dos actos são adquiridos. De seguida, quer visitando e conversando com a escola, quer por análise dos documentos entregues – plano curricular, currículo de cada unidade curricular, exemplos de enunciados –, emitimos parecer sobre a grelha de evidências.

Quando a nossa opinião diverge da opinião da escola, promovemos reuniões tentando consensualizar posições. Até ao momento, podemos afirmar que este processo se encontra pleno de sucesso e que todos os cursos que solicitaram o seu registo se encontram registados ou em processo de registo e com as alterações propostas em marcha. No segundo caso, quando por desinteresse das escolas não foi pedido o registo do curso, um diplomado pode solicitar um pedido individual de registo profissional do curso. Nesta situação, uma equipa de peritos externos à ANET elabora, a partir do currículo do diplomado, devidamente comprovado, do seu plano curricular, do programa de cada unidade curricular, de exemplos de enunciados, entre outros documentos, um parecer sobre se a formação do candidato o qualifica para o efectivo desempenho dos actos de engenharia da sua especialidade, elaborando um percurso complementar de formação, caso seja necessário. A homologação do estágio profissional deste candidato fica condicionada à confirmação da realização do percurso complementar proposto. Com estas medidas pensamos contribuir para acabar com o desempenho ilegal da profissão de Engenharia.

Para terminar, gostaria de deixar aqui, de uma forma clara, que no futuro a ANET, de acordo com a Lei n.º 6/2008, a chamada Lei das Ordens a que já me referi, assumirá a função de autoridade reguladora

nas áreas de Engenharia da sua competência. A ANET continuará a promover a dignificação da profissão de engenheiro técnico, sendo certo que tal não se faz com medidas proteccionistas, mas sim com exigência de qualidade dos projectos realizados, da qualidade de como se executa a direcção de obra, pela aplicação das regras da ética, da deontologia e do relacionamento entre profissionais e destes com a sociedade.

Na nossa opinião, a dignificação passa ainda pela forma como são cobrados os honorários. Para nós, a referência deve ser a Portaria n.º 7/1972, com as adaptações de 1974 e de 1986. Contribui-se, assim, para uma melhor regulação no mercado da Engenharia. Nós não nos podemos esquecer que as responsabilidades que até agora competiam às entidades licenciadoras passaram para os técnicos que as certificam e executam: o exemplo concreto da Lei n.º 60, no artigo 20.º, n.º 8, e o artigo 10.º, que transfere para a responsabilidade do autor de projecto as responsabilidades que até agora eram das Câmaras Municipais como entidade licenciadora, mas que deixaram de ter poderes para análise dos projectos; a Lei n.º 18, do Código da Contratação Pública, que exige o projecto de execução; a alteração ao Código Penal, no artigo n.º 152, em que diz que a violação das regras de segurança, entre outras, leva a penas de um a oito anos, coisa que até agora (isto entrou em vigor em 2007) acho que poucos engenheiros perceberam que está a acontecer.

Dentro deste espírito, continuamos a incutir aos engenheiros técnicos a importância da formação ao longo da vida, através da obrigatoriedade de provarem terem pelo menos frequentado um mínimo de trinta horas de formação na sua especialidade, de cinco em cinco anos, para poderem manter o título de engenheiro técnico. Esta decisão é baseada na assunção de que a constante actualização dos conhecimentos é uma das garantias da qualidade dos serviços prestados.

Por fim, continuaremos a responder a tudo em que o Governo nos solicitar opinião, estando atentos a todas as manobras daqueles que, ao invés de promoverem a Engenharia em Portugal, mais não fazem que proteger os pseudo-direitos adquiridos pelos seus membros, fruto de uma certa passividade e complacência da nossa sociedade.

Para finalizar, quero reafirmar, uma vez mais, que estamos e estaremos sempre disponíveis para responder às solicitações vindas do Governo.

António Marinho e Pinho1

Duas palavras muito breves sobre as implicações de Bolonha na perspectiva das profissões forenses, pelo menos daquela que represento – a Ordem dos Advogados. Antes porém, um pequeno esclarecimento. Fui jornalista, já não sou, mas quem o foi como eu fui, nunca deixa de o ser; daí a forma como o senhor Prof. Rui Alarcão se me referiu.

Nós olhámos, a princípio, com muita desconfiança para o Processo de Bolonha, para as suas consequências, para a sua génese, para a sua etiologia. Tarde de mais houve informação suficiente para clarificar os objectivos, para clarificar os propósitos e as finalidades.

Do que é que nós desconfiávamos em Bolonha? Demagogia, massificação do ensino e tentativa de resolver problemas financeiros das instituições de ensino superior através de cobrança de propinas mais caras para uma parte do curso, o segundo ciclo. Vendo bem as coisas hoje, parece-me que essas opiniões estão a ser reavaliadas; já não são perfilhadas pela grande maioria dos advogados, mas mesmo assim todo o processo tem que ser interpretado à luz de um problema específico da advocacia e da Ordem dos Advogados, que é a massificação desta profissão. Em cerca de quinze a vinte anos, o número de profissionais que actuam no mercado multiplicou-se por seis ou sete, ou seja, passaram de cerca de 5000 para mais de 30 000 advogados. Isso distorceu completamente a forma como tradicionalmente se exercia a advocacia em Portugal.

1 Bastonário da Ordem dos Advogados.

Não há mercado para tantos profissionais, não há clientes para tantos advogados, não há sequer defesas oficiosas ou patrocínio oficioso para tantos profissionais. Uma grande parte dos advogados portugueses debate-se com imensas dificuldades, sobretudo no início de carreira e, lamentável e estranhamente, também no final da carreira, porque houve mudanças nos modelos e arquétipos de funcionamento da profissão que não foram previstos e em relação aos quais não se encontraram atempadamente soluções.

O paradigma do exercício da advocacia, que assentava, predominantemente, na obrigatoriedade de constituição de advogado para a maioria dos litígios, alterou-se e hoje cada vez menos é obrigatória a constituição de advogado e cada vez mais essa constituição é uma escolha livre dos constituintes, ou seja, dos cidadãos, dos clientes, das empresas que procuram serviços jurídicos.

O advogado é um técnico especializado, altamente especializado, que presta serviços na sociedade e no mercado. É uma profissão liberal, e aqui também compete fazer uma apreciação, um enfoque mais preciso sobre esta noção. Ser profissional liberal tem o sentido de que se exerce a actividade sem subordinação a qualquer hierarquia a não ser aos valores e aos princípios de natureza ética e deontológica que regulam a profissão. Essa ideia de que há profissões liberais no seu acesso, no sentido de qualquer pessoa poder aceder indiscriminadamente à profissão, não se aplica aqui.

Eu costumo dar, nas discussões internas na Ordem dos Advogados, um exemplo que é este: se há profissão liberal é a de taxista. No entanto, não basta ter uma carta de condução e um automóvel para se poder exercer essa actividade. Porquê? Porque subjacente a ela existe um relevante interesse público que o Estado regula directamente. Regula não no sentido de proteger privilégios ou garantir mercado aos que já lá estão, mas na perspectiva de garantir qualidade a esse serviço público de transporte privado.

Ora, se há profissão, privada, liberal, que realmente tem elevadíssimo interesse público essa profissão é a advocacia.

Por outro lado, o advogado é um participante na administração da Justiça. A administração da Justiça, a boa administração da Justiça é um valor superior do Estado de Direito. Em Portugal, como na generalidade dos países modernos, civilizados, a administração da Justiça estrutura-se em três pilares fundamentais: a função jurisdicional (jurisdictio, jurisdicionis), significa dizer o Direito aplicável aos litígios concretos. O parâmetro normativo, se quisermos, através do qual se resolvem problemas jurídicos num Estado de Direito, num Estado de Direito democrático, é dado por leis gerais, abstractas e objectivas. A solução concreta dos casos tem de ser decidida através de magistrados independentes, totalmente independentes. E esses são só os juízes, os magistrados judiciais.

Portanto, a função jurisdicional, a função do Direito para o caso concreto, de resolver um litígio concreto, compete a um magistrado judicial. Mas um juiz não actua sozinho, embora haja nos nossos tribunais tendências iluministas de matriz salomónica em que se dispensam quase todos os contributos que possam ajudar à solução do caso. Isso resulta mais de distorções do exercício e das prerrogativas da função do que propriamente da lei.

A lei, a Constituição neste caso, impõe três pilares: o juiz que diz o Direito, o Ministério Público que representa o Estado e é titular em exclusivo da acção penal e o garante da legalidade democrática, é o advogado do Estado, procurador da República, advogado da República. O Estado tem interesse directo e imediato na administração da Justiça e, por isso, é representado pelo Ministério Público. Tem também um interesse indirecto, um interesse mediato, porque a boa administração da Justiça é, como disse, um valor superior do Estado de Direito.

Finalmente, a terceira função é o patrocínio forense e é exercida pelos advogados. Não é um exclusivo dos advogados, porque para certos casos, em certos problemas jurídicos poderão intervir outros

profissionais que não advogados, desde logo, advogados estagiários, solicitadores e, em muitos casos, até se dispensa a constituição de advogado ou de solicitador, podendo o interessado patrocinar-se a si próprio em causas de pequeno valor.

Numa alteração da Constituição, no final dos anos oitenta, passou a considerar-se o advogado não apenas um mero colaborador da Justiça, mas um participante na administração da Justiça. O patrocínio forense passou a ser considerado elemento essencial à administração da Justiça. Faz parte da essência da administração da Justiça. Não é possível haver boa administração da Justiça, ou sequer administração da Justiça, sem que as partes estejam representadas por advogados, ou seja, por técnicos qualificados para poderem patrocinar os interesses, para poderem defender os direitos que lhes são confiados, para poderem levar a lide a bom termo. O objectivo final é a paz social. Como disse, a administração da Justiça é um valor superior do Estado de Direito.

Põe-se com o Processo de Bolonha, com os cursos de primeiro e segundo ciclos, a questão de saber o que é que convém mais à administração da Justiça.

Em primeiro lugar, surge uma ideia central que consiste em separar claramente as funções das ordens profissionais, neste caso da Ordem dos Advogados, da função das universidades. As universidades têm uma função específica – formar cientificamente, dar, transmitir saber, ajudar as pessoas a procurar o saber, a fazer a sua própria investigação. Portanto, às universidades compete a formação académica e científica das pessoas. Porém, hoje, em muitas universidades existem, de forma bem visível, preocupações de natureza profissional, seja nas universidades públicas, mas sobretudo nas privadas em que grande parte dos seus recursos ou das suas disponibilidades é orientada para a procura de soluções profissionais, de saídas profissionais para os seus alunos. Isso não deveria ser uma preocupação da universidade: Bolonha responde a isso, ao fazer com que as pessoas entrem mais cedo no mercado, por vezes à custa da própria formação científica.

Muitas universidades já reduziram mecanicamente o curso de Direito para quatro anos, sem proceder à reordenação pedagógica do plano de curso. Já há pessoas que se apresentaram na Ordem dos Advogados para se inscreverem apenas com o 4.º ano, pois iam matricular-se no 5.º, mas disseram-lhes “não senhor, já estão licenciados, tomem lá o diploma e vão para o mercado”. Tudo isso sem haver a necessária reordenação dos cursos de Direito.

Portanto, às universidades compete a formação científica, às ordens compete a formação profissional.

Temos assistido a muitas universidades, escolas de Direito, preocupadas com a formação profissional e, pior do que isso, temos visto a Ordem dos Advogados preocupada com formação científica, isto é, a ministrar formação científica, a tentar complementar a falha de formação científica por parte de algumas escolas de Direito em Portugal.

Houve um boom nos anos oitenta de escolas de Direito, que eu considero absolutamente «criminoso», em Portugal. Foi um negócio chorudo que se fez com escolas de Direito, que exploraram de forma inescrupulosa as esperanças e as ilusões da juventude, promovendo cursos que, em muitos casos, só se tiravam mediante dois requisitos: o pagamento das elevadas propinas que cobravam e o decurso do prazo de cinco anos, tal como acontece em alguns países da América Latina...

Houve, de facto, essa situação e o que se lamenta é que Bolonha tenha entrado em funcionamento sem previamente o Estado se ter preocupado em garantir a qualidade do ensino superior, pelo menos na área jurídica. O Processo de Bolonha só deveria ser implementado depois de a Agência de Avaliação e Acreditação ter entrado plenamente em funcionamento e ter produzido os efeitos para que foi criada, ter exercido as competências para que foi criada.

Há escolas de Direito (e vê-se na Ordem pelos candidatos à advocacia que lá aparecem que, em alguns casos, não sabem ler uma norma legal) em que se tiram cursos unicamente com o pagamento das

propinas e com o decurso do prazo necessário, porque não há verdadeiramente avaliação ou, pelo menos, digna desse nome e a má qualidade científica é enorme!

Portanto, o que há a fazer perante esta situação é aumentar as exigências na selecção dos candidatos à entrada nos cursos superiores.

Como saídas profissionais dos cursos de Direito, temos as tradicionais profissões forenses: magistrados e advogados. Curiosamente, em Portugal, não se exige formação jurídica a uma profissão forense importantíssima que são os Oficiais de Justiça e os Escrivães de Direito e era absolutamente necessário que, pelo menos os secretários judiciais, tivessem formação jurídica, porque eles têm uma gestão prática e diária das secretarias judiciais, lidam com processos, deviam saber pelo menos a parte processual, ter uma formação de base do Direito adjectivo, do Direito processual e não têm.

Depois, temos um conjunto de profissões que não sendo especificamente forenses dispensariam, digamos assim, o segundo ciclo, que são profissões como o notariado, como os conservadores e um conjunto de outras saídas profissionais em número bastante elevado que

o curso de Direito proporciona, desde a administração hospitalar, à carreira diplomática, passando por um conjunto amplo de funções na administração pública e mesmo em instituições privadas.

Não é admissível que, hoje, pessoas com responsabilidades directas na gestão de pessoal ou na gestão financeira não tenham formação jurídica. Seria bom que o Governo tomasse neste aspecto algumas medidas, mas não sei, todos aguardamos a entrada em vigor da Agência de Avaliação e Acreditação.

A questão que Bolonha traz ao ensino de Direito não é nova em Portugal. Há cerca de 60 ou 70 anos, era necessária a licenciatura com média de 14 valores para exercer advocacia. Só podia exercer advocacia quem se licenciasse, no mínimo, com uma média de 14; quem tivesse uma média inferior não podia aceder à advocacia, muito menos à

magistratura, teria que optar por outras saídas, designadamente, o notariado ou as conservatórias.

Agora temos o problema do primeiro ciclo. A quem é que a licenciatura se destina? Exigir-se-á a licenciatura aos solicitadores? Possivelmente, seria adequado fazê-lo, tal como se exige aos notários, tal como se exige aos conservadores. Deveria exigir-se a licenciatura para quem exerce a função de escrivão de direito nos tribunais; mesmo os próprios oficiais de justiça deveriam ter essa formação jurídica, o que seria muito importante.

No caso das profissões forenses tradicionais, magistrados e advogados, a tendência é exigir o segundo ciclo, o mestrado, ou seja, exigir dez semestres de formação científica. O CEJ já resolveu isso: aceita apenas a licenciatura para os seus exames de acesso, mas dos 1800 a 2000 candidatos admite só 100 ou nem 100 admite e, portanto, está à vontade para escolher.

Na Ordem dos Advogados, nós estamos a propor alterações no sentido de exigir o mestrado pós-Bolonha ou a licenciatura antes do Processo de Bolonha. Não se pode aceitar que numa profissão como a advocacia a selecção dos melhores seja feita apenas pelo mercado.

A função das ordens, a sua função reguladora é justamente impedir que seja o mercado a fazer a escolha, porque em determinadas profissões

o mercado não escolhe os melhores. Se deixássemos o mercado a escolher os melhores médicos, sem uma forte intervenção moderadora e reguladora da respectiva Ordem, possivelmente haveria muitas mortes antes de alguns «carniceiros» poderem ser banidos ou eliminados da profissão. Também na advocacia, antes do mercado exercer a sua selecção, tem a Ordem que intervir de forma a exercer plenamente a sua função reguladora, porque senão os danos causados à cidadania, os danos causados ao Estado de Direito, os danos causados aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos seriam em muitos casos irreversíveis.

Portanto, este é o panorama na perspectiva da Ordem dos Advogados. Nós estamos a alterar os Estatutos, a Assembleia da República terá que aprovar a alteração, porque é unânime na Ordem que os advogados, tal como os magistrados, têm de ter o máximo de formação académica.

Resta saber o que fazer dos mestrados obtidos antes do Processo de Bolonha que ficarão equiparados aos mestrados pós-Bolonha.

Tudo isto reproduz, no fundo, o modelo novecentista, entre o bacharelato e a licenciatura. Não há diferença absolutamente nenhuma, a não ser nas designações. Os licenciados de agora são os bacharéis do século XIX e do início do século XX; os mestrados de agora serão as licenciaturas de então.

É esta a situação que, na perspectiva da Ordem dos Advogados, está a acontecer e cujas consequências são mais ou menos estas – ninguém poderá entrar na Ordem dos Advogados, ou pelo menos receber

o título profissional de advogado, sem dez semestres, sem cinco anos de formação científica. A formação científica é muito importante para a advocacia e tem havido, por parte da generalidade das escolas superiores públicas e privadas, uma certa lassidão.

Não pode haver boa formação profissional, seja em que actividade for, sem boa formação científica. É uma ilusão pensar que se pode superar tudo pela técnica, pelo empirismo, pelo voluntarismo e pelo tarefismo. É preciso boa formação científica prévia. É preciso cultura geral. E nós hoje atravessamos um período de generalizada ignorância na sociedade portuguesa.

Todos têm opinião sobre tudo, mas poucos sabem alguma coisa sobre aquilo que dizem. É fácil dar opiniões às televisões, aos jornais, aos meios de comunicação social, mas o saber, esse cada vez é mais escasso, esse cada vez mais rareia. Por isso, faço também um apelo para que as escolas de ensino superior sejam mais rigorosas, mais exigentes na formação científica dos alunos.

Infelizmente, tem acontecido o contrário, justamente por causa do mercado, porque se uma escola for muito rigorosa os alunos mudam-se para outra, e se as públicas forem muito exigentes os alunos vão para as privadas. Também aqui se vê como o mercado, o mercado que é tão endeusado e tão divinizado por alguns, pode ter efeitos perniciosos.

Só poderá haver boa formação profissional quando os candidatos à profissão tiverem boa formação científica. E isso, repito, é exclusivo das universidades, tal como a formação profissional é exclusivo das ordens.

Debate

Rui Alarcão – Está agora aberto o debate. Eu talvez depois diga alguma coisa no encerramento. O estatuto de moderador tem uma certa flexibilidade, quer dizer, cumpro o estatuto ficando calado mas também o não viola se disser qualquer coisa.

Eu vou-me reservar para esse final e, entretanto, daria a palavra a quem o solicitasse, relativamente às três intervenções que aqui ouvimos.

Elisabete Oliveira (Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Universidade de Lisboa) – Tenho a experiência de perto de vinte anos de formar professores, especialmente na área das Artes, para o 3.º ciclo e para o secundário de todo o distrito de Lisboa, mais de quinhentos nesse intervalo. Concretamente, tenho duas questões a colocar-vos, uma é muito geral e julgo que se põe também ao nível de muitas outras profissões sem ser a do ensino, que é a seguinte.

Para ser professor nestes níveis de ensino era preciso ter um curso de Artes, de quatro a cinco anos, fazer dois anos como contratado numa escola, só depois é que podia candidatar-se ao estágio profissional. Depois, se tivesse menos de cinco anos de prática tinha de fazer estágio de dois anos, se já tivesse esse tempo fazia só de um ano. Portanto, tínhamos pessoas com cinco anos de curso, em muitos casos, com mais dois anos de experiência e com mais dois anos de estágio pedagógico. Posto isto, não vejo em lado nenhum acautelar as transições e o meu problema é a transição: são todos os casos de pessoas que acabaram as suas formações, que estão nas suas entradas profissionais a exercer nestas condições, mas que não lhes é reconhecido nenhum mestrado. Eu pergunto se não seria possível prever uma transição? Admitindo que o que parece ser crucial no mestrado é fazer uma monografia investigativa, podia ser dada a essas pessoas a possibilidade de fazerem apenas essa monografia investigativa ou então ser estudada outra transição. Mas a essas pessoas não devia ser negada, de maneira nenhuma, a graduação de mestrado, quando têm sete anos de ensino superior, dois anos ou mais de prática e, afinal, não ficam com

habilitações equivalentes a quem sai com cinco anos agora. E mais, isso pode estar a acontecer em paralelo nas colocações, porque muitos estavam no sistema. Os que começaram em 2006/2007, para o ano já vão acabar o primeiro ciclo, quer dizer, podem a certa altura passar à frente dos que fizeram a formação noutras condições.

A segunda questão é mais específica de professores e diz respeito à competência que se reconhece a quem faça o segundo ciclo numa escola de formação? Que respeito é que há pelo nível de formação universitário quando, segundo uma decisão ministerial, as pessoas que fizeram toda esta preparação vão ter que fazer uma prova de competência para depois poderem concorrer aos concursos de professores? Há aqui qualquer coisa que me parece altamente desprestigiante para estes mestrados. Não sei se isso acontece noutras profissões, se depois do segundo ciclo e do reconhecimento das ordens, ainda vão exigir mais qualquer coisa. E deixo isto à vossa consideração.

Teresa Oliveira Marçal (Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e Ordem dos Enfermeiros) – Sou enfermeira, professora na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, mas neste momento estou aqui como representante do conselho directivo da Ordem dos Enfermeiros. Não posso deixar passar esta oportunidade sem uma palavra de felicitação ao Conselho Nacional de Educação pela oportunidade deste seminário e pelas questões que foram aqui levantadas, neste primeiro momento de síntese de um percurso que, pela nossa parte, acompanharemos com muito interesse.

Algumas notas. Também no que concerne à Enfermagem, o panorama europeu é completamente diferente, tem grandes assimetrias e, portanto, estamos preocupados com esta questão da harmonização. Outro aspecto que a Ordem tem sempre defendido, e foi com bastante interesse que ouvi o Prof. Pedro Lourtie referir, é a importância nos quadros de referência da dimensão europeia, dimensão nacional e dimensão sectorial. E nesta dimensão sectorial, naquilo que concerne às profissões de Saúde, seria um desafio muito interessante perceber que aspectos

poderiam ser pensados em comum na área científica da Saúde. Este é um aspecto que gostaria de aqui salientar, até porque a natureza das profissões de Saúde, as características e as necessidades daqueles que são os sujeitos dos nossos cuidados, as suas complexas necessidades, as exigências científicas, técnicas e deontológicas que se colocam aos profissionais da Saúde implicam, de facto, uma formação profundamente exigente, não só para a questão da empregabilidade, mas também, como aqui foi tão bem situado, para a questão da profissionalidade. O desafio de Bolonha não pode ser vivido numa lógica de mera métrica, tem de ser vivido numa mais profunda reforma dos curricula e também de uma dinâmica mais centrada nos estudantes.

Uma última palavra. Também nós, no campo da Enfermagem, vivemos nos últimos anos uma situação de massificação, só que aqui confrontamo-nos com um paradoxo: o País necessita de enfermeiros, não temos as nossas necessidades em cuidados de enfermagem satisfeitas. Contudo, a massificação que se verificou em poucos anos tem-nos levantado preocupações com a qualidade. E aqui gostaria de referir a nossa preocupação com algum atraso na questão da avaliação da qualidade em toda a reforma que está a decorrer no ensino superior. Nós estamos a trabalhar neste momento com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior num plano estratégico para o ensino e para a investigação em Enfermagem, exactamente no sentido de perspectivar a resolução de algumas das preocupações que aqui partilhei convosco.

Domingos Xavier Viegas (CNE) – Queria dirigir-me primeiro ao senhor Eng.º Augusto Guedes. Gostei muito de o ouvir e partilho muito das suas preocupações. Todo o processo que o nosso ensino superior tem vindo a seguir, mesmo antes do Processo de Bolonha e refiro-me às áreas de Engenharia, já era no sentido de tornar esta distinção entre as formações académicas e as qualificações profissionais clara, mas estava a ser difícil.

Parece-nos que com o Processo de Bolonha a questão se complicou ainda mais, porque desaparece o título de bacharel, o próprio título de

licenciado já não vale nada, o que vale é o mestrado. Quando diz que a sua Associação Nacional entende que não é necessário o mestrado para o exercício da profissão de engenheiro, julgo que quer dizer de engenheiro técnico, não propriamente de engenheiro, quer precisar isso? De um modo geral, aquilo que está hoje em dia estabelecido para os cursos de Engenharia como requisito académico é o chamado mestrado integrado.

Aos dois representantes aqui presentes de associações técnicas ou profissionais, gostava de perguntar qual é que vai ser o vosso papel no processo que está em curso de definição dos requisitos para a formação, os chamados learning outcomes, de que ainda há pouco se falou, e para o acesso à profissão? O Dr. Marinho e Pinto referiu que as universidades dão a formação académica e as ordens dão a formação profissional. Aí já se vêem distinções, por exemplo, há ordens que realmente exigem um período de estágio, que no fundo acaba por ser mais um tempo de formação, outras não o requerem, apenas acreditam a formação que é dada por uma escola, portanto vai haver aí papéis bastante diferentes. Pareceu-me também ter ouvido o próprio Ministro dizer que no futuro processo de avaliação e de acreditação quem irá ter esse papel é a nova Agência e não propriamente as ordens. Como é que encaram isto?

Por último, queria perguntar ao Dr. Marinho e Pinto. Quando afirmou que há cursos em Portugal em que basta pagar as propinas e esperar cinco anos para ter o grau... é uma afirmação bastante séria, conhece mesmo casos?

Jorge Serrote (Associação Académica de Coimbra) – Sou vice-presidente da Associação Académica de Coimbra. A minha questão é mais dirigida ao Dr. Marinho e Pinto.

Primeiro, dizer que relativamente a esta situação e especialmente relativamente a Direito, eu próprio sou licenciado agora por Bolonha, a questão da transição colocou os estudantes e as próprias instituições de ensino superior numa situação delicada, numa situação de incerteza, sem saber ao certo o que ia acontecer num futuro próximo e que acabou, na maior parte dos casos, por quem se licenciou por Bolonha estar neste

momento a frequentar o segundo ciclo. Referiu que será necessário o segundo ciclo para se poder ser advogado. Gostaria de saber se tal colide com uma proposta eleitoral quando da candidatura à Ordem, em que todos os candidatos falaram do exame de acesso, se deixará de haver esse exame de acesso à Ordem?

Por outro lado, tal como acontece por exemplo na Ordem dos Engenheiros, poderão alguns cursos ser reconhecidos e ser logo acreditados ou, no caso dos cursos de Direito, um aluno graduado por algumas faculdades de Direito poderá logo aceder à fase de estágio? Para quando essas alterações ao estatuto da Ordem com estas implicações directas no acesso à advocacia?

Castro Soutinho (Advogado) – Identifico-me como colega do Dr. Marinho e Pinto, cédula profissional n.º 1190... Também fui aluno do Prof. Rui Alarcão, portanto é natural que saiba ainda alguma coisa de Teoria Geral, que é mais abrangente. Mas aquela afirmação em relação aos cursos de Direito, não era entrar e sair! Isso é uma afirmação gratuita, que até é ofensiva para os professores de algumas escolas e alguns são pessoas de prestígio da nossa universidade, que leccionaram e leccionam no ensino privado.

Quando nós entrámos, quando eu me inscrevi na Ordem sabia aquilo que sabia e aquilo que tinha aprendido e do resto qualquer bom ou médio escrivão de Direito sabia mais do que eu em termos de Processo. É uma realidade. Agora também sabemos, nós andámos na mesma escola, que se calhar naqueles cinco anos aprendemos coisas de que já nos esquecemos, felizmente, não aprendemos outras que devíamos ter aprendido e, se calhar, em metade do tempo saíamos com mais capacidade, desde que estudássemos de Outubro até depois da Queima das Fitas...

Marinho e Pinto – No meu tempo não havia Queima das Fitas. Não houve...

Castro Soutinho (Advogado) – Ah não havia? Lamento... até porque fui da comissão central da Queima das Fitas e tive dois grandes antecessores e sucessores, foram o Vital e o Barros Moura, de forma que está a ver que estive bem acompanhado na comissão central, como jurista.

Mas em relação às saídas profissionais e à formação, aquilo que nós aprendemos é o Direito. Se depois precisamos de saber Direito Aeronáutico, isso não é a faculdade que dá. Se precisamos de saber Direito Marítimo, quem é que sabe Direito Marítimo? Direito do Ambiente, quem é que sabe Direito do Ambiente? Direito Comunitário, quem é que sabe Direito Comunitário? Eu para saber alguma coisa de Direito Comunitário tive de fazer uma pós-graduação. Agora as bases, a Teoria Geral do Direito, as Obrigações, etc., sim. Tenho a impressão que nós não temos em atenção as directivas de harmonização comunitárias, inclusivamente a nossa Ordem já teve um processo, porque defendemos que não devíamos seguir o paradigma europeu da harmonização também na área da advocacia, do exercício da advocacia em termos de capacidade e liberdade de exercício da profissão de advogado.

Estamos hoje a falar de Bolonha, mas em relação, por exemplo, à área da Saúde há harmonização desde 1989. Há directivas comunitárias em relação à Enfermagem desde 1989, com uma formação harmonizada em termos comunitários, a mesma coisa acontece com Medicina e com Medicina Veterinária, com todas as áreas da Saúde. Somos capazes de ter estado demasiado desatentos com a harmonização comunitária, mesmo em relação ao reconhecimento dos diplomas e das equivalências. O Prof. Pedro Lourtie, que foi o chairman da Convenção de Lisboa relativamente ao reconhecimento dos graus e diplomas, sabe perfeitamente, melhor do que ninguém aqui, e o Prof. Rui Alarcão também sabe, o que era reconhecer um diploma, um doutoramento ou uma licenciatura realizados nos Estados Unidos, em Inglaterra ou em França, pura e simplesmente não eram reconhecidos. Aliás, o Prof. Marçal Grilo teve a coragem de dizer isso publicamente, quando a Faculdade de Direito de Lisboa não reconheceu um doutoramento feito em Harvard e a Universidade

perguntou para cá, oficiosamente, quais eram os prémios Nobel que nós tínhamos na área do Direito... isto foi uma realidade. Só depois dessa Convenção de Lisboa é que foi feito o reconhecimento dos graus e diplomas de outros Estados comunitários e não só.

Se calhar, quando estamos hoje a falar de Bolonha é porque estivemos atrasados e distraídos durante muitos anos relativamente àquilo que é a harmonização das formações. Nos meus tempos de Coimbra, quem era formado em Medicina e não estava disposto a ir para a guerra, ia para França onde não era reconhecido como médico, portanto é uma evolução. Hoje em dia, as questões são diferentes e temos de nos convencer que somos para a Europa o que Trás-os-Montes ou o Algarve são para Portugal.

Augusto Ferreira Guedes – Queria explicitar aquilo que é o nosso pensamento relativamente à pergunta que o Prof. Viegas colocou. Primeiro e desde logo, não acabou o bacharelato, acabaram todos. Acabou o bacharelato, a licenciatura, o mestrado e o doutoramento e foram criados três novos graus. Por acaso, coincidem a licenciatura e o doutoramento, mas no seu conteúdo não são a mesma coisa. Quando eu disse que estava feliz hoje, estamos felizes há uns tempos, porque começámos cedo a tratar desta matéria.

A nossa associação é uma associação de direito público, só não tem a designação de ordem porque a Ordem dos Engenheiros a isso se opõe por razões óbvias, enfim... Lá ainda não chegou o 25 de Abril, um dia há-de chegar...

Nós definimos para um conjunto de actos que se praticam em Engenharia, que estão publicados e divulgados, que é suficiente ter uma formação que corresponde a 180 ECTS. Se algumas pessoas querem, de uma forma corporativa e tentando fazer uma cartelização, dizer que não é bastante, isso é outro problema. A seu tempo discutiremos essa matéria. Nós dizemos que esta reforma de Bolonha é a reforma mais importante dos últimos duzentos anos em Portugal, não tenho nenhuma hesitação em afirmá-lo. Alguns membros da Ordem, felizmente não são todos os

nossos colegas da Ordem, acham que para proteger, para inflacionar o preço da engenharia, para fazer a cartelização, é preciso cinco anos para exercer os actos de engenharia. Falso, até pelos próprios acordos que fizemos.

Quando hoje aqui cheguei, o Prof. Marçal Grilo perguntou-me o que é que eu tinha andado a fazer nestes últimos tempos, que tinha andado desaparecido. Estive a reflectir e acedi ao convite do CNE e do Prof. Júlio Pedrosa para vir cá dizer isto de uma forma clara e inequívoca. Nem estou a dizer isto com a preocupação de ver se é pacífico ou não, foi a decisão dos nossos 20.000 membros que estudaram profundamente o assunto. Não andaram a brincar, definiram claramente o que é que são os conhecimentos necessários para a prática de um acto de engenharia.

Como eu disse, nós achamos que é preciso continuar a estudar, porque há actos de engenharia que não é por se ter cinco anos de escola ou sete anos de escola ou três anos de escola que se sabem fazer. Não há maturidade para fazer uma estrutura complexa, porque há matéria, há conhecimento que não entra a martelo, entra pela vivência, pelo saber-fazer e pela experiência. Por isso nós, de uma forma absolutamente desassombrada e sem preocupação de agradarmos ou desagradarmos, dizemos que o Estado, ou seja, nós com os nossos impostos, com os meus 42% de impostos, não estamos disponíveis para pagar o segundo ciclo. Com a nossa experiência de 150 anos, porque é essa experiência que os nossos engenheiros têm, e chamam-se engenheiros técnicos porque têm um perfil diferente, diverso dos outros..., não estamos disponíveis para com os meus 42% e com os 42% dos outros 20.000 membros suportar o custo de alguns poucos para fazerem o segundo ciclo.

O que achamos é que os recursos financeiros que o País tem, ou seja, que todos temos, devem ser para suportar, para pagar parte dos custos do primeiro ciclo. Admito que, por exemplo, na Medicina ou numa outra área, seja preciso um segundo ciclo, mas tem de ser provado

que é preciso e, então aí, os nossos impostos, os meus 42% de impostos, devem servir para isso. No resto das especialidades, nos outros cursos como, por exemplo, Engenharia e também Direito, os custos devem ser suportados por cada cidadão, porque a taxa de retorno, como era dito aqui de manhã, é enorme.

Isto é um apelo à coesão nacional, porque senão não há dinheiro para fazer tudo. E é importante que, a dois anos de fazermos 100 anos de República, consigamos arranjar dinheiro para que todos possam fazer o 12.º ano daqui a 30 anos, o que seria uma meta ideal. Ainda hoje não temos lugar para todas as crianças do País irem à escola, o que já não devia ser uma preocupação, devia estar garantido. Portanto, temos de ser sérios e ter paciência para discutir isto de uma forma desapaixonada e de, uma vez por todas, assumir que a situação mudou, com as consequências que a mudança tem. Dizer que para o exercício da profissão de engenheiro é preciso ter o mestrado é falso. É uma coisa dita da boca para fora, sem nenhum suporte. Quem o diz, que prove porque é que é necessário. Nem sempre esta matéria é abordada de forma clara, mas tem de passar a ser.

Também queria dizer que este é o terceiro ano em que Bolonha está a produzir licenciados e a ANET, enquanto associação de direito público, a partir do próximo mês vai aceitar os novos licenciados pós-Bolonha, assumindo as consequências que a nossa decisão tem. Nós sabemos que somos uma associação de direito público, que estamos sujeitos a um conjunto de regras e, portanto, estamos disponíveis para assumir e sofrer as consequências. Não estamos disponíveis é para que milhares de jovens que acabam o curso agora continuem a praticar Engenharia ilegalmente e não possam exercer a sua profissão. Para isso não estamos disponíveis. Se formos presos, paciência, é por uma boa causa.

Marinho e Pinto – Vou seguir a ordem das intervenções, até porque à última irei com muito gosto responder ao meu colega, Dr. Castro Soutinho. Vou começar pela Drª Elisabete Oliveira que me colocou duas questões importantes. Não sei se foi a senhora que disse, mas veio-me à

mente um problema que me parece surgir neste contexto, que é fazer depender a atribuição de certos graus académicos, ou contribuir para a atribuição de certos graus académicos, da prática profissional ou da formação profissional. Eu sou contra... Aliás, nós hoje já temos pessoas a doutorar-se aqui em Portugal sem a licenciatura, nem mestrado!... Eram bons profissionais, ou são muito queridos em certas áreas, eu não vou dizer quais, e estão aí a fazer doutoramentos. Alguns vão a Espanha à pressa buscar uma coisa qualquer que dá equivalência ao mestrado, mas a licenciatura propriamente dita não tiraram. Ora bem, eu acho que a formação, os graus académicos devem ser dados pelas escolas superiores de acordo com a formação científica, com base no princípio de que são as universidades exclusivamente que dão formação científica. O mercado, as ordens, os próprios, depois procurarão a formação profissional. Esta mistura não é boa, nem para a formação científica nem para os profissionais.

A Dr.ª Teresa Oliveira falou na massificação dos enfermeiros e que diminui a qualidade, naturalmente. A massificação diminui a qualidade. E nós temos um exemplo, não é só nestas profissões, há um endeusamento do mercado, é tradicional e célebre a frase de que a concorrência entre produtos e mercadorias tem vantagens porque faz com que as empresas produzam com mais qualidade e a um preço mais baixo. A competição entre as pessoas desperta o que há de pior entre elas. Temos exemplos em como a massificação, o aumento da oferta, diminuiu a qualidade. A abertura do mercado à concorrência na comunicação social degradou como nunca o produto informativo! Podíamos fazer muitas críticas aos modelos antes da liberalização, antes da abertura, antes do aparecimento de órgãos de comunicação social, de televisões privadas, por exemplo. Na própria imprensa, a qualidade da informação degradou-se a níveis inimagináveis há vinte anos atrás. Basta comparar, pegar nos jornais e ver o que é que hoje é notícia em Portugal...

Isto, aliás, seria uma boa tese de mestrado ou de doutoramento, ver

o que é hoje notícia em Portugal, a quantidade de sangue e de lágrimas de que se fazem as manchetes dos jornais, comparar com a seriedade dos

temas que eram tratados há vinte anos atrás, com o rigor e a investigação jornalística que se fazia e que hoje não se faz. Hoje, recebem-se press releases ou dicas das agências de comunicação e de imagem e avança-se por aí a fazer informação que, na sua generalidade, é ou obsequiosa para uns ou agressiva para outros. Isto é um exemplo claro de como a concorrência se traduziu na degradação de um produto, na perca de qualidade.

O Prof. Xavier Viegas pergunta quais vão ser os requisitos? Bom, a Ordem dos Advogados não quer acreditar cursos. Não é a sua função. Agora que há cursos que não tenho dúvidas que a Agência quando entrar em funcionamento vai fechar, ah isso não tenho dúvidas. A Ordem dá formação profissional, não se sobrepõe às universidades, não se sobrepõe às escolas de Direito. A Ordem dá formação profissional em prática forense.

Para lhe dar um exemplo e às pessoas que aqui estão que não são do ramo jurídico, o saber jurídico é importante para todas as saídas profissionais relacionadas com o Direito. A prática forense exige saber jurídico, mas não basta o saber jurídico: saber utilizar uma acta durante uma audiência de julgamento, saber interpelar um juiz que está a tomar uma decisão de natureza processual inadequada ou ilegal, saber reagir atempadamente aos impulsos da parte contrária, tudo isso decorre da prática forense, não da formação jurídica. Mas as pessoas devem saber Direito para serem administradores hospitalares, para serem juízes, para serem advogados, para depois de aprenderem exercerem na prática. A formação da Ordem é, sobretudo, voltada para os aspectos que não cabem no ensino universitário. Não vai ensinar, obviamente, as especificidades do Direito Marítimo, embora também não ficasse mal ter uma pós-graduação ou uma especialização optativa em determinados ramos específicos do Direito.

Ao jovem futuro colega da Associação Académica de Coimbra. O segundo ciclo é necessário, vai ser necessário para ser advogado, tal como é necessário para ser magistrado. Poderemos, eventualmente,

admitir a inscrição em estágio de pessoas que estejam licenciadas, só com a licenciatura, mas o exercício da advocacia, como elemento essencial à administração da Justiça, deve exigir o máximo de formação científica necessária, que é o mestrado. Disso não tenha dúvidas, bater-nos-emos com todas as forças para isso. Para quando as alterações? Bom, não somos nós que as fazemos, nós propomo-las, quem as faz é a Assembleia da República, porque o estatuto da Ordem é uma lei da Assembleia da República.

Nós defendemos também que há um conjunto amplo de profissões jurídicas para as quais bastaria a licenciatura pós-Bolonha, como sejam, o trabalho nas secretarias das autarquias, em amplos sectores da Administração Pública central, em empresas privadas, em notários e conservatórias. Não é preciso a especialização que decorre do mestrado, bastará a licenciatura. Agora para as profissões de magistrados, Ministério Público e juízes, e de advogados tem que ser, inevitavelmente,

o mestrado.

Meu caro colega Castro Soutinho, eu concordo consigo que as universidades não têm de ensinar coisas demasiado específicas do Direito. Disse-me que o Direito de Família e o Direito das Sucessões é outro, eu corrijo e permita-me que o faça: o Direito é o mesmo, as leis é que são outras! Sabendo Direito, sabemos interpretar as leis seja em que ramo do Direito for, seja de que época for o respectivo Direito positivo. É preciso é saber Direito, é preciso saber os princípios basilares do Direito.

O que nós assistimos – por muito escândalo que isso lhe possa provocar –, eu reafirmo-lhe aqui olhos nos olhos, é que há escolas de Direito em Portugal que dão os cursos mediante o pagamento das propinas e o respectivo decurso do prazo! E garanto-lhe isso! E até lhe digo mais, meu caro colega, até lhe digo mais. É um verdadeiro escândalo e vergonha, o que se passou no início e meados dos anos oitenta e que ainda se prolonga em alguns locais. De repente, apareceram cerca de 30 cursos de Direito, em Portugal. Eu formei-me já “tardote”, como deve saber, estava

no 4.º ano no 25 de Abril e só me formei no início dos anos oitenta. Havia três faculdades de Direito: Coimbra, Lisboa e a Universidade Católica. Hoje, há 30 cursos de Direito espalhados por todo o País. E vou-lhe dizer como é que se fizeram alguns cursos. Arrendou-se um apartamento, foi-se a uma universidade pública de prestígio, alugou-se o nome de um professor para director científico... (não me peça nomes nem que identifique casos, estou a falar de factos e situações), repito, alugou-se

o nome de um Professor de prestígio para director científico, que não punha lá os pés mas que recebia os 4.000 ou 5.000 euros por mês, ou os 400 ou 500 contos por mês na altura, para dar o seu nome e contratavam-se os jovens licenciados com média de 14, 15 ou 16, geralmente familiares dos donos da empresa, dita cooperativa, para dar as aulas. Faziam-se umas obras nuns apartamentos, em que cozinhas e salas viravam salas de aulas, e era assim.

Depois, vá ver a taxa de reprovações nas universidades. Vá ver pessoas que trabalham oito horas por dia, estudam duas horas ou três à noite e depois vá ver a taxa de reprovações. O senhor lembra-se da taxa de reprovações que havia na Universidade de Coimbra que frequentou como eu, na Universidade de Lisboa, até na Universidade Católica, para não falar noutras, e veja quais são as taxas de reprovações que há. Posso-lhe dizer, sem pejo nenhum, outras questões: a vergonha de professores de Direito, mesmo em universidades públicas, terem criado à sua volta um séquito imenso de assistentes, eles dão uma ou duas aulas por semana quando dão, não fazem exames, não corrigem uma prova, muitas vezes dedicam-se quase exclusivamente à “passadística” lá na sua própria escola. Portanto, vamos chamar as coisas pelo seu nome, muitas vezes as verdades doem e a gente prefere fechar os olhos e tapar os ouvidos para não as ouvir. Devemos ouvi-las porque isto é uma realidade e estamos a aproximar-nos do modelo sul-americano, quer no ensino do Direito, quer no exercício da advocacia.

A Finlândia tem um advogado por 6.000 habitantes; a Áustria tem um por 4.200 habitantes; a França tem um por 1.800; em Portugal, temos um advogado por 350 habitantes! Isto interessa ao negócio em que se

transformou o ensino do Direito em Portugal, ao lucrativo negócio... Desculpe, meu caro colega, pode discordar de mim, tem todo o direito, agora a minha opinião é esta e assenta em factos. Não me peça que os revele aqui. Revelá-los-ei noutros locais se for necessário, aliás já o fiz.

Estamos a aproximar-nos do modelo sul-americano, quer no exercício da advocacia, quer no ensino do Direito, pela multiplicidade de escolas. Há necessidade de 30 escolas de Direito em Portugal? Há mais advogados em Lisboa do que em Paris e a França tem seis vezes a população de Portugal! Está-se a degradar... não a profissão de advogado, está-se a degradar a administração da Justiça em Portugal, porque uma das causas porque a Justiça chegou onde chegou é também por isto. O ensino do Direito explorou, de forma inescrupulosa, as ilusões, a esperança e até a vaidade de alguns... O curso de Direito, tradicionalmente muito prestigiado, interessou a muita gente. E foi um negócio que rendeu milhões e milhões em Portugal. Agora estamos a ver licenciados em Direito em caixas de supermercado, a conduzir como motorista ou noutros locais quaisquer.

Há um problema, que não é da Ordem dos Advogados, mas é um problema que tem de ser encarado de frente, doa a quem doer, custe o que custar, que é a existência de uma duplicação do ensino superior, entre os politécnicos e as universidades. O melhor mesmo seria acabar com as universidades, porque os politécnicos têm as mesmas competências e graus académicos, o que se traduz em rivalidades que se prolongam depois nas saídas profissionais. Têm que encarar esta realidade e resolvam-na, porque dela depende muita coisa em Portugal. Há dias, num colóquio, perguntavam-me porque é que há-de haver dois cursos para formar profissionais que se complementam na sua actividade, médicos e enfermeiros, por exemplo, como a senhora Dr.ª referiu? Dizia-me essa pessoa que a licenciatura podia dar a formação académica e científica para o exercício da enfermagem, acrescentada da respectiva prática profissional, e o mestrado daria a formação para os médicos; a engenharia daria os engenheiros tradicionais e os engenheiros técnicos;

nos advogados, a licenciatura daria para os solicitadores e o mestrado daria para os advogados; os magistrados teriam mestrado e os escrivães a licenciatura; os professores licenciados sem o mestrado sairiam para o ensino primário e os professores com mestrado para o ensino secundário. Isto foi-me posto assim, claramente, porque é o sentir das pessoas que reflectem e que abordam estas questões.

Enfim, as pessoas responsáveis pelo ensino superior em Portugal têm estas questões que devem resolver rapidamente, porque é um factor enorme de instabilidade e com consequências graves esta duplicação do ensino politécnico e do ensino universitário. Devia-se generalizar e passar a ser tudo universidades, ou então impedir que duas entidades diferentes façam as mesmas coisas.

Pedro Lourtie – Destas intervenções, quer as iniciais quer depois este debate, há algumas notas que gostava de deixar aqui.

Uma delas tem a ver com a questão do Quadro, agora já não é europeu, mas Quadro Nacional de Qualificações. Há necessidade, efectivamente, de definirmos para grupos, para áreas de conhecimento, aquilo que são as formações que fazem sentido nessa área de conhecimento e a sua relação com o exercício profissional. O Eng.º Ferreira Guedes falou aqui no trabalho feito pela ANET, julgo que é o que foi feito já há algum tempo e que eu conheço. Efectivamente, é um contributo para essa definição e seria importante, nesta área das engenharias como um todo, que pudesse haver essa discussão entre os vários intervenientes e que levasse a um acordo sobre quais são as formações relevantes para a área da Engenharia e quais é que não são. No fundo, formações no sentido das qualificações, das competências, das capacidades necessárias ao exercício das várias profissões. A partir daí, podemos retirar qual é a formação necessária em termos de créditos e, obviamente, dos graus que correspondem. É este o caminho que temos de fazer — saber o que é que as pessoas têm que conhecer, de saber, ser capazes de aplicar, por aí fora.

A segunda nota tem a ver com a intervenção do Dr. Marinho e Pinto quando diz que às universidades cabe meramente a formação científica, que a formação profissional cabe às ordens. Eu aí discordo e considero que, na parte da formação que pode ser feita em instituições de ensino superior, sejam universidades, sejam politécnicos, há uma componente de formação profissionalizante, ou seja, de preparação para a profissão. É discutível que, para além deste aspecto da formação, haja a necessidade de uma imersão em ambiente profissional, um estágio, se quisermos, embora encontremos por essa Europa situações diversas, tanto estágios enquadrados pela instituição de ensino superior como enquadrados por outras entidades, nomeadamente aquelas que dão a certificação profissional. Não concordo, portanto, com o que diz da formação das universidades ser meramente científica, porque acho que há uma componente significativa de formação profissionalizante que deve ser feita dentro das instituições de ensino superior.

A terceira nota tem a ver com uma questão que foi levantada, a transição do sistema antigo para o sistema novo, do pré-Bolonha para pós-Bolonha, por aí fora. Aquilo que me parece que está no espírito de Bolonha, e julgo que tenho alguma legitimidade para o dizer, é que o que interessa é a formação, a competência e os conhecimentos, as capacidades que a pessoa tem. Não interessa como é que foram adquiridos; interessa é verificar se tem ou não tem aquelas competências, aqueles conhecimentos, aquelas capacidades. Portanto, o que eu tenho que verificar é se a pessoa tem de facto estes conhecimentos, competências e capacidades, independentemente do percurso profissional que seguiu. Claro que é importante, por um lado dar formações que são certificadas,

o que torna o caminho mais fácil, pois está ali alguém, uma entidade credível que diz “este senhor fez isto e provou ter estes conhecimentos e estas competências”; mas por outro lado, há outras competências que são adquiridas pelo exercício profissional, na vida, seja como for, e têm que ser aferidas por um processo potencialmente mais moroso, mas tão legítimo como o outro. Esta é outra questão bastante importante e, no fundo, remete para o quadro de qualificações ser também um referencial para aferir estes conhecimentos e estas competências, aquilo que em

Portugal hoje se faz a nível do ensino não superior, no reconhecimento, validação e certificação de competências.

A última nota. Pareceu-me que perpassou nalguns discursos um pouco a noção de que aquilo que é preciso aprender na escola, neste caso no ensino superior, seria algo que ficasse indefinidamente. Devo dizer que se for fazer os exames de Engenharia Mecânica, hoje, certamente chumbaria para aí em 80% dos exames do curso onde tenho leccionado ao longo de muitos anos. E porquê? Porque são matérias nas quais não investi, investi em determinadas áreas e não noutras, mas provavelmente, se me fosse dado algum tempo, com maior facilidade do que os jovens que hoje frequentam, seria capaz de fazer os exames e ser aprovado, porque tenho os conceitos, porque consegui manter esses conceitos. A questão é esta: aprendemos muita coisa, mas esquecemos também muita coisa e o que fica é o essencial. Estas competências, estes conceitos fundamentais que nos permitem ter um quadro de referência no qual conseguimos encaixar os conhecimentos que podemos adquirir entretanto ao longo da vida. Portanto, nem sempre é necessário voltar à escola para obter conhecimentos adicionais, porque temos a base onde podemos encaixar conhecimentos que absorvemos pelas vias mais variadas.

Eram apenas estas quatro notas, Prof. Alarcão, peço desculpa, mas não resisti a fazê-lo.

Rui Alarcão – Não tem de pedir desculpa, só lhe agradeço. Agora vou dar ao presidente da mesa a palavra! Eu concordo com quase tudo, com 95% do que acaba de dizer, e com os outros 5%, se calhar, também concordo...

Estas intervenções e este debate foram realmente riquíssimos e variadíssimos. Muito do que aqui foi dito, foi por causa de Bolonha, alguma coisa terá sido por ocasião de Bolonha, e as várias outras coisas não têm a ver com Bolonha. Mas vamos restringir-nos talvez a uma perspectiva bolonhesa...

Deixem-me fazer um pequeno exercício de humor, uma vez que ninguém apresentou o meu currículo. Eu gostava de dizer que sou professor universitário há 55 anos, sou muito antigo. Comecei muito cedo, também valha a verdade. Fui reitor da Universidade de Coimbra, tenho alguma experiência em matéria docente, não só na Universidade de Coimbra, como agora (o Dr. Marinho que me perdoe) numa privada... Por outro lado, sou ex-advogado. Cancelei a minha inscrição em tempos porque não estava em condições de a exercer, não valia a pena estar a pagar para a Ordem, mas realmente fui advogado.

Marinho e Pinto – Fez mal...

Rui Alarcão – Ainda vou reconsiderar, se o bastonário me diz que fiz mal... Faço parte do Conselho Superior do Ministério Público actualmente, portanto, fui advogado, não sou do Ministério Público mas faço parte do Conselho Superior do Ministério Público, como aliás já tinha feito há uns anos. Juiz nunca fui, mas durante dois anos fui membro da Comissão Constitucional, que foi o antecedente histórico do Tribunal Constitucional. Portanto, também tenho alguma função de judicatura no meu currículo. De maneira que estou numa posição bastante interessante para apreciar a riqueza destas intervenções.

Circunscrevendo-me a Bolonha, gostava de dizer o seguinte: o Processo de Bolonha é um processo complexíssimo, que começou bastante mal, não só em Portugal como noutros países. Mas é um processo eminentemente dinâmico. Esses defeitos da sua génese, muitos já foram corrigidos e posso dizer que Bolonha é uma coisa importantíssima, não digo que vamos triunfar no Processo de Bolonha nem que vamos fracassar. Não sei. Profeta nunca fui, nem sequer futurologista, só a curto prazo, porque senão a gente engana-se muito.

Por conseguinte, Bolonha está em aberto. Não podemos ter, como me parece que é bastante frequente ter-se, uma visão técnica do Processo de Bolonha. O Processo de Bolonha é um processo político, também tem

aspectos técnicos importantíssimos, mas não é inocente, nem neutral no ponto de vista político. Bolonha é um elemento considerado importante para a construção política da Europa e nós não devemos esquecer essa perspectiva, que é uma perspectiva importantíssima que algumas pessoas esquecem e outras não esquecem mas subestimam.

Portanto, é preciso ter uma visão de que o Processo de Bolonha é um processo político, que tem a ver com a construção europeia, ultrapassa um pouco isso, mas também tem a ver com isso. Nesse aspecto, várias pessoas nas suas intervenções levantaram um problema que me parece importante e que é a questão da unificação e da harmonização. Eu sou daqueles que acham que a Europa, a grande especificidade da Europa não é a sua unidade, é a sua diversidade. A Europa é eminentemente diversa. Tem a sua unidade construída na diversidade, e não podemos esquecer isso. E não podemos ter uma ideia de unificação a todo o preço.

É fundamental ter a ideia da diferença, em muitas áreas e também no Processo de Bolonha. Já aqui foram falados diversos casos, eu diria, de uma forma englobante e muito genérica, que é fundamental termos a ideia de que sendo a Europa diversa, sendo o seu elemento estruturante a diversidade, temos de respeitar essa realidade também na área do Processo de Bolonha. Não vamos unificar a Europa neste particular, porque sendo a Europa algo em que a diversidade é um valor fundamental, se quisermos harmonizar excessivamente vamos “deseuropeizar” a Europa. Portanto, é necessário que neste Processo de Bolonha haja atenção a isso, uma atenção maior do que aquela que tem sido dada. Claro que para muitas coisas, para as equivalências, para tudo isso, tem vantagens de toda a ordem, como já foi aqui focado.

Temos de ter certos elementos comuns, mas convém efectivamente não exagerar e há que deixar uma margem para a harmonização – alguém falou aqui de harmonização, que é muito melhor que unificação –, e para a flexibilização, que é um conceito que tem um grande curso político até no Direito. É fundamental termos esta consciência de que é um processo

de extrema complexidade. Estamos a fazê-lo, podemos triunfar, oxalá aconteça isso. Podemos falhar, já cometemos vários erros. Aliás o erro é, segundo dizem os especialistas, um elemento fundamental para uma boa aprendizagem. Convém ir errando e corrigindo erros sempre que isso se oferece.

Devemos ter, julgo eu, esta perspectiva de que há aqui não um processo meramente técnico, mas um processo político, com todas as vantagens e os riscos inerentes a isso, o que leva directamente, juntamente com a própria ideia da Europa, a uma ideia de harmonização, com respeito pelas diferenças efectivamente fundamentais. Por outro lado, a ideia de uma reforma institucional e de uma reforma pedagógica, envolve coisas extremamente importantes.

Em relação à questão das universidades e sobre o que disseram o Dr. Marinho e o Dr. Soutinho, gostava de dizer o seguinte. Eu fui professor estes anos todos e tive sempre sorte, tive sempre boa estima como professor e o Dr. Marinho, como jornalista, também me tratou muito bem. Ele já não é jornalista, mas realmente fez-me a melhor entrevista que eu tive até hoje, mas disse aqui algumas coisas que pecam por exagero, por exemplo, essa questão das universidades e dos politécnicos é um problema complexíssimo. Agora, em relação à questão do ensino de Direito, o senhor Dr. referiu uma fórmula que eu próprio utilizo e que diz respeito à relação entre a quantidade e a qualidade.

Sou professor, como disse, há dezenas de anos e uma coisa dou por assente, oxalá não fosse assim mas é. A massificação diminuiu a qualidade. Eu tive alunos há 55 anos, ainda tenho alunos hoje, não julgo negativamente as gerações, não sei se esta é melhor nem se não é, são melhores numas coisas, piores noutras. Com a massificação, e eu sou naturalmente um democrata, um homem de Abril e, portanto, do alargamento, passámos em pouquíssimo tempo de 40.000 estudantes no ensino superior para 400.000 estudantes, números redondos. E isto não foi em séculos, isto foi em poucos anos. Como é que é possível que aconteça uma coisa dessas sem diminuir a qualidade do ensino? Não é possível.

Há um preço a pagar. Não é dizer “bom, tem que ser assim...”. Em muitas das coisas que o senhor Dr. Marinho disse tem razão, antes a não tivesse, apesar de achar que há aí alguma caricatura, a caricatura é uma coisa que eu até aprecio muito. De resto, vamos ver como é que é feita a avaliação. As universidades fizeram avaliações, mas quem avalia os avaliadores? Posso-lhe garantir, eu que estive numa pública e me considero sempre um homem das universidades públicas, embora agora esteja numa privada, que sei como as coisas se passam. Enfim, há casos e casos, até já houve alguns casos públicos, encerramentos, coisas que até levaram já a sanções.

Ora bem, esse processo ainda não acabou e há muita coisa que está mal... Errare humanum est, perseverare autem diabolicum... (Errar é humano, o que é diabólico é perseverar no erro). Este crescimento exponencial de alunos, de 40.000 para 400.000, ou o aumento do número de cursos de Direito, não podemos generalizar e dizer que está tudo mal. Dizer que há universidades em que há só propinas e depois, passados cinco anos... É uma caricatura, há aí algum exagero. Em todo o caso disse coisas que é bom que sejam ditas, às vezes, com alguma publicidade, para que depois, feito o diagnóstico, haja a terapêutica adequada. Há muita coisa que está mal e o que está mal a gente deve esforçar-se por corrigir.

Mas também está mal que o indivíduo que está à frente da mesa dê a palavra a si próprio e não a retire, de maneira que eu vou terminar, agradecendo ao Presidente do CNE ter-me dado a possibilidade de estar aqui. Acho que foi uma discussão muito viva e interessante e muito variada.

Queria também prestar homenagem ao Presidente do CNE por esta contribuição relativamente à implementação do Processo de Bolonha. Isto começou mal, como disse, não foi só entre nós, no aspecto político há a mania de andar depressa para conseguir determinados resultados, estão aí à vista alguns resultados. É necessário que façamos este percurso com serenidade e com vagar.

Em 2010 estará implementado o Processo de Bolonha... Se cá estiver para ver, e talvez esteja, tenho a certeza que será considerado um processo importantíssimo do ponto de vista das universidades, do ponto de vista técnico e do ponto de vista político para configurarmos a Europa. É um processo extraordinariamente complexo, em que já se errou e vai-se errar, mas todos nós devemos empenhar-nos nele, porque é muito importante para a própria construção daquilo que queremos que seja realmente a Europa.

Portanto, apesar das críticas e de algum pessimismo – eu subscrevo muitas das críticas que ouvi aqui hoje, eu próprio as tenho feito –, realmente tenho fé... Até sou agnóstico, do ponto de vista religioso, mas não sou agnóstico do ponto de vista da cidadania e da democracia. Somos todos nós que temos de fazer este processo, todos os que estamos implicados é que temos de contribuir para isso.

Agradeço a oportunidade de dar esta contribuição para o Processo de Bolonha e os seus desenvolvimentos. Vai ser necessário que o CNE continue a ter um papel grande nesses desenvolvimentos e aprofundamentos. Muito obrigada.