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Devo dizer que de início resisti a este convite, mas depois achei que não devia continuar a resistir. De qualquer maneira, interpretei, e creio que é uma interpretação correcta, que não é para presidir, mas para moderar.
Quero começar por afirmar que é uma enorme honra vir a presidir, dentro de dias, a esta instituição; e vir cá hoje é um enorme benefício, que vai continuar nos anos em que aqui estiver. Pelas pessoas que nela participam e pela qualidade do trabalho desenvolvido, será para mim um factor de enriquecimento.
Sou basicamente homem da educação: é a minha profissão, dou aulas há muito tempo, há trinta e sete anos, não deixei de leccionar mesmo quando tive outras tarefas: sendo bom voltar a restringir-me à educação. Tendo estado aliás durante muitos anos ligado a problemas de cariz mais económico, cada vez estou mais convencido de que o desenvolvimento depende, em primeira linha, da educação. Para além de outros factores, como as tecnologias ou o capital, a educação e a formação das pessoas constituem inquestionavelmente o factor mais importante; não podendo todavia esquecer-se nunca a valorização cultural assim proporcionada, dando uma compreensão mais alargada do mundo em que vivemos.
A outra palavra que gostaria de dizer é que tenho um gosto especial em estar numa instituição de índole consultiva. Estive numa instituição paralela, em termos de funções, o Conselho Nacional do Plano, anterior ao Conselho Económico e Social. Fui, aliás o último Presidente do Conselho
* Actual Presidente do Conselho Nacional de Educação, eleito a 20 de Junho de 2002, e que tomaria posse a 11 de Julho do mesmo ano.
Nacional do Plano. Depois, tive a experiência de um Parlamento, o Parlamento Europeu, com poderes legislativos, orçamentais e em outros domínios. Voltando a presidir, uns anos mais tarde a um órgão consultivo perguntam-me muitas pessoas, assim aconteceu há pouco com jornalistas, se me sinto bem por não termos poderes deliberativos.
Respondendo-lhes que tenho um particular gosto na exigência acrescida que assim se verifica, dependendo a nossa influência apenas do valor intrínseco dos nossos Relatórios, dos nossos Pareceres e das nossas Recomendações.
Não podemos de facto esquecer nunca que a Assembleia da República e o Governo é que são os órgãos de soberania, legitimados pelo povo, pelo voto de todos os cidadãos. Entidades como o CNE, apenas com funções consultivas, acabam por ter consequentemente o atractivo especial de só poderem valer pelo mérito daquilo que elaboram, tal como tem acontecido ao longo dos seus quinze anos de existência.
A última palavra que quero dizer nesta introdução é que o trabalho vai ser muito facilitado: havendo uma participação muito rica dos Senhores Conselheiros, com o apoio de serviços bem organizados, em particular do Senhor Secretário-Geral, Professor Manuel Miguéns. Quando vim cá pela primeira vez encontrar-me com a Senhora Presidente, começando a transmitir-me os 'segredos' da casa, vi a lista dos membros: e senti orgulho por ter o privilégio de, durante o tempo que estiver no Conselho, conviver com pessoas tão qualificadas, das mais diversas áreas, dos vários níveis e modalidades de ensino. Haverá assim uma permuta de opiniões que será para mim um factor muito estimulante de valorização pessoal.
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1. Nesta singela mas mui digna sessão comemorativa dos primeiros quinze anos de vida do Conselho Nacional de Educação, em que a actual Presidente entendeu por bem pedir aos antigos presidentes um breve testemunho, desejo antes de mais saudar a Prof.ª Teresa Ambrósio, que tanto e tão bem deu da sua sabedoria e da sua generosidade à presidência deste órgão, nos últimos tempos. O seu elevado saber nas matérias da educação aliam-se às suas qualidades pessoais de grande cordialidade e de vocação construtora de consensos.
Mas, na sua Presidente, quero saudar também o próprio Conselho Nacional da Educação, nos seus ilustres membros, Senhores Conselheiros, e em todos os seus dignos servidores e colaboradores a diversos títulos.
Seja-me permitido começar por dizer que, como primeiro Presidente do Conselho Nacional de Educação, foi para mim um privilégio ter podido instalar, e depois animar a primeira fase de vida de uma instituição que hoje tem de reconhecer-se como um consagrado, amplo e qualificado forum nacional dedicado à educação. Mas se invoco esse privilégio, é para sobretudo recordar todos quantos foram, e ainda são, fundadores e obreiros desta instituição privilegiada.
Creio ser justo que, de entre vários nomes que muito justamente poderiam ser recordados, a este propósito, nomeie em primeiro lugar o Prof. Roberto Carneiro – que, como Ministro da Educação, teve uma influência decisiva na criação deste organismo. E as duas pessoas que mais proximamente me acompanharam nos seus primeiros passos: o primeiro Vice-Presidente, Prof. Marçal Grilo, que me ajudou de um modo que está para além de quaisquer palavras, e o primeiro Secretário-Geral, o saudoso Dr. Emílio Pires, a quem tanto fiquei a dever, de dedicação funcional como de sacrifício e dedicação pessoal.
* Primeiro Presidente do Conselho Nacional de Educação, cujo mandato decorreria de Abril de 1988 a Abril de 1991.
2. Quero congratular-me com a vida que esta instituição tem traduzido, e com o papel importante que tem desempenhado na sociedade e na vida portuguesa. E sem com isso desejar a qualquer título repropor, para
o futuro, quanto a esse papel, permitam-se-me algumas breves notas de reflexão sobre o carácter deste precioso órgão. Trata-se de aspectos que logo mereceram ponderação durante a fase inicial da sua vida. Porventura pode ser interessante voltar a estas meditações, hoje. Porque me permitiria verificar no êxito actual do Conselho também o mérito de algumas grandes e então difíceis opções matriciais para a instituição. A verdade é que, no momento das origens, foram muito discutidos, e por vezes acaloradamente, vários desses tópicos.
3. Como é sabido, o CNE teve uma espécie de proto-história: houve primeiro a criação de um Conselho que não era este, e depois foi reconvertido pela lei neste actual, dentro de um conceito diferente de autonomia e grande representatividade – já não apenas como Conselho mais íntimo de consulta ministerial.
O novo conceito ilustra-se e apoia-se em múltiplos aspectos. Desde logo na sua grande representatividade. Ao contrário do anterior, baseado numa intenção de competência especializada, o actual Conselho Nacional da Educação foi criado como órgão de ampla representatividade, que inclui representações das instâncias políticas, sociais, económicas e culturais, bem como dos parceiros educativos: pais, professores e alunos. Sem faltar uma representação de pessoas especialmente qualificadas, que são cooptadas para reforçarem a especialização do Conselho.
À representatividade alia-se a independência, que se evidencia no facto de os Conselheiros, seus membros, serem independentes da entidade que os designa e serem inamovíveis. A que acresce a autonomia administrativa e financeira.
O Conselho foi também definido como um órgão superior. Quer-me parecer que não se trata um adjectivo apenas para honrar o Conselho; mas, sobretudo, para o responsabilizar. Como órgão superior, o Conselho tem que situar os seus pareceres ou sugestões sempre ao mais alto nível de qualidade.
Por outro lado, a sua função consultiva preserva-o de tentações que poderiam prejudicar esta capacidade e esta vocação de reflexão e sabedoria. Não tem competências executivas, de responsabilização pela acção, e não deve ter essa tentação, exactamente para preservar a sua essencial função, a qual é utilíssima para todos os decisores: políticos, sociais, educativos, enfim para toda a sociedade.
Finalmente, diz ainda a lei, o Conselho deve procurar consensos alargados. Considero isso de grande importância, porque o Conselho não teria mais valia se fosse tão só um parlamento de vozes diferentes, que entre si apenas marcassem a diferença – para não dizer até, eventualmente, a conflitualidade. Aquilo que pode ser um contributo muito específico do Conselho é que, a partir da diferença e até da divergência dos conceitos e das concepções, ele possa, pelo diálogo inteligente, civilizado, racional, elevar-se a soluções consensuais alargadas que possam ser úteis numa perspectiva de concertação entre a sociedade civil e o Estado – porque a educação é, em primeiro lugar, liberdade fundamental das pessoas, depois tarefa cultural das famílias e da sociedade civil, depois ainda tarefa do Estado.
4. Como já disse, no princípio, todos estes caracteres do Conselho Nacional de Educação foram muito meditados, porque se tratava então de saber o que fazer e como fazer. Era preciso dar os primeiros passos; mas, ao mesmo tempo, descobri-los e ter acerca deles um conceito, uma ideia. Penso que esta concepção se mantém válida, até hoje, apesar de, como muitas vezes ouvimos dizer e como é verdade, se terem amplificado muito os horizontes da problemática educativa, e se ter estabelecido uma osmose mais intensa entre a educação e a cultura, entre a educação e a formação no sentido tradicional, entre o que era simplesmente nacional e agora é europeu e mundial.
Sim, o Conselho confronta-se hoje com novas problemáticas, correntemente referidas com novas expressões – tais como sociedade da informação, globalização, etc. De facto, em poucos anos muita coisa evoluiu. Mas tudo isto só vem dar maior importância a um órgão com estas características e estas potencialidades.
Diz-se, às vezes, que a televisão educa tanto como a escola. O que implica complexificação para o sistema educativo, concebido agora numa articulação mais forte de educação, formação e cultura, muito penetrada por numerosas e atractivas actividades de lazer e de negócio.
Neste sentido, diria que a vocação do Conselho como que se amplia, e passa a ter de se exercer já não apenas em direcção às chamadas políticas públicas da educação, mas de um modo muito mais amplo face àquilo que se pode chamar o pensamento cultural e cívico da sociedade.
A sua voz, que é necessário ser ouvida pelos decisores políticos para as chamadas políticas públicas, deve também ser útil para a própria sociedade em geral, sendo certo que as agências educativas estão hoje em dia muito mais disseminadas e interligadas do que estavam há não muitos anos.
Assim sendo, de todas aquelas características do Conselho, que referi inicialmente, aquela em que recaem mais claramente as responsabilidades que derivam deste breve reflexão serão os qualificativos de superior e de concertação. Não creio que possa ser superior sem ser instância de consensos alargados e vice-versa.
Não há dúvida, o CNE tem as altas e diversificadas qualificações que desde logo derivam da sua composição. Mas, hoje em dia, estas problemáticas são tratadas por inúmeras instâncias, que fazem análises e reflexões sobre os problemas da educação, sobre os problemas da cultura, sobre os problemas da formação profissional, sobre o sistema mediático, sobre a evolução interactiva de todas estes subsistemas. O problema do Conselho, hoje, deve ser o de fazer convergir nele as contribuições mais valiosas e as sínteses mais prudentes.
Isso levará o Conselho a ter que situar-se numa relação com as numerosas instâncias, centros de investigação, observatórios, centros de excelência, escolas superiores de educação, etc. E uma posição própria, que não contenda com a sua identidade, para poder utilizar todos os saberes, para poder articular todos os contributos e para poder, neste sentido, continuar a ser efectivamente um órgão superior e de concertação.
Tarefa que não é fácil, mas que o Conselho tem vindo a fazer, sob as presidências que me sucederam, do Prof. Barbosa de Melo, do Prof. Marçal Grilo e ultimamente da Prof.ª Teresa Ambrósio. E que vai continuar a fazer sob a orientação do novo Presidente, Prof. Manuel Porto, a quem auguro as maiores felicidades.
Não devo prolongar esta breve reflexão, que foi apenas memória grata e voto cordial. Parabéns ao Conselho Nacional de Educação neste auspicioso aniversário.
Muito obrigado.
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1. Agradeço à Prof.ª Doutora Maria Teresa Ambrósio a honra de me conceder a palavra na sessão em que formalmente deixa as funções de Presidente do CNE. A honra é tanto maior quanto o convite provém de uma universitária insigne e notável personalidade nacional, que muito prestigiou
o CNE pela isenção e objectividade com que o dirigiu e pela abertura de espírito que imprimiu, ao longo do seu mandato, aos complexos e delicados trabalhos deste órgão público independente.
2. Fui membro do CNE, primeiro como vogal, durante o mandato de presidente do Prof. Mário Pinto, e, depois, como presidente, de Julho a Novembro de 1991, até ser chamado a desempenhar outras funções no Estado. Durante esses breves meses beneficiei, com muito gosto, da colaboração de um vice-presidente da envergadura do Prof. Marçal Grilo, que já cumprira o mesmo cargo durante o mandato do Prof. Mário Pinto e que viria a suceder-me na Presidência. Por esta circunstância, desde logo, limitei-me a ser um presidente de transição.
Quer como vogal, quer como presidente, mantive intenso contacto com
o Dr. Emílio Pires, que foi Secretário-Geral do CNE, desde a instalação até falecer, já no mandato do Prof. Marçal Grilo. Emílio Pires teve uma acção fundamental na modelação do sistema administrativo da instituição. Pessoa de grande saber e competência técnica, com larga experiência nos quadros da alta administração do Estado, deu toda a sua energia e dedicação ao nascente CNE, colaborando intensamente quer na configuração do seu perfil institucional, quer no desenho das suas relações com o poder político, quer no que concerne às suas instalações físicas. Foi, aqui como em toda a sua vida, verdadeiramente um servidor da causa pública. Quando há minutos entrei neste auditório, lembrei-me dos cuidados extremos que o Dr. Emílio Pires pôs na execução do projecto das obras que lhe deram o ar solene e acolhedor que agora vemos. É de toda a justiça evocar, nesta oportunidade,
* Segundo Presidente do Conselho Nacional de Educação, e cujo mandato decorreria de Julho de 1991 a Novembro do mesmo ano.
a pessoa de Emílio Pires, 1.º Secretário-Geral do CNE, e prestar-lhe a nossa homenagem de gratidão.
3. O que é que está por detrás desta instituição, para lá das leis que a regem e das práticas sociais e burocráticas que a tornam mais visível?
No fundo e por fim, o CNE é chamado a pensar a educação em Portugal como instrumento por excelência da construção de uma sociedade aberta (no sentido de Bergson e Popper), isto é, de uma sociedade dinâmica, capaz de mudar e de continuamente se auto-organizar, onde a liberdade seja virtude e as ideias circulem sem constrangimentos políticos – uma sociedade, em suma, antitética da sociedade administrada, característica dos regimes totalitários, onde a liberdade é suspeita e por isso abafada, e onde uma ortodoxia político-ideológica invade tudo e a todos oprime – na ciência, na cultura, na religião, na economia, no desporto, nas diversões...
Por outro lado, um dos objectivos do CNE – ideia basilar da sua criação
– prende-se com a necessidade de a sociedade civil se assumir efectivamente em Portugal como principal co-responsável pela educação dos cidadãos. A educação não é assunto só da família, não é assunto só do Estado, não é assunto exclusivo de ninguém em particular. É, ao contrário, tarefa e responsabilidade de todos nós.
Tal ideia animou vivamente o período inaugural desta instituição. A verdade é que, ao tempo, a concepção dominante em Portugal reservava ao Estado, senão o monopólio, pelo menos, o papel de educador de primeira linha ou principal; o resto – isto é, as famílias e suas instituições, as organizações sociais e as igrejas –, pouco ou nada contava, a bem dizer, no sistema educativo português. Nessa primeira fase, o CNE questionou, precisamente, o papel do poder público na educação e tentou, com algum êxito, abrir caminho na consciência pública para a ideia da subsidiariedade do papel do Estado neste domínio.
A Senhora Presidente cessante dizia há pouco que as coisas mudaram muito, embora não tenham mudado tanto como se queria que mudassem. Neste aspecto, porém, a mudança afigura-se-me significativa: hoje parece enraizada na sociedade a ideia regulativa segundo a qual a educação é da responsabilidade dos parceiros sociais em geral (famílias, organizações societais, igrejas, regiões, comunidades locais, Estado, etc.) e, não, uma prerrogativa do Estado. Sobre este recaem tão-só deveres, mormente o dever de promover a justa repartição dos recursos públicos periodicamente afectos à educação e o dever de fiscalizar o cumprimento das leis por parte dos agentes educativos.
4. Uma exigência nova – relativamente nova, claro – é a da necessária continuidade e permanência do processo educativo, de acordo com a evolução das condições sociais e técnicas em que os ofícios são exercidos.
Em todo o caso, ainda há em instâncias superiores da nossa sociedade – por exemplo, nas universidades – muitos que pensam que o essencial se aprende na fase da formação académica e que esta formação basta para bem exercer a profissão correspondente. Trata-se, claro é, de uma sobrevivência da antiga ideia inscrita no direito conferido pelo grau académico (ius ubique docendi et faciendi), segundo a qual saber significa possuir capacidade para fazer, ou saber ensinar é igual a saber fazer.
É tempo de se deixar de pensar assim em Portugal. É certo que o sistema educativo deve abranger todo o arco que vai da formação universitária à formação profissional; mas isto não pode significar que as pessoas e instituições competentes para a formação académica sejam também competentes para a formação profissional. A universidade, ao contrário da sua tradicional suficiência, não tem, em princípio, condições para dar sozinha a formação profissional de que os seus licenciados precisam. Seria importante que os políticos e os dirigentes do sistema educativo português percebessem isso, que hoje é trivial por esse mundo ocidental além.
5. Em 1987 o CNE foi pensado na lei como órgão de orientação e consulta, aberto às concepções, correntes de opinião e sensibilidades mais significativas na sociedade em matéria de educação. Daí a sua composição pluralista, assegurada desde logo pelos diferentes modos de designação dos seus titulares.
Os seus membros gozam, todos, da mesma legitimidade para dizerem o que por si pensam sobre qualquer problema ou facto educativo ou sobre as alterações do sistema educativo – por natureza semper reformandum – que considerem necessárias ou convenientes. Ao pluralismo de composição do CNE acresce o seu pluralismo procedimental, resultante da natureza colegial e do modo de deliberar do órgão (prévia elaboração do projecto de parecer, opinião ou recomendação, sua discussão com direito de participação de qualquer membro e votação segundo a regra “um membro, um voto”). O que contribui, por último, para tornar explícito o que é que a sociedade concreta vai pensando, para lá da política partidária, sobre o sistema educativo e os seus problemas. O pluralismo assim entendido, também aqui, não é uma conquista irreversível: mais que da lei, ele dependerá das atitudes práticas que diuturnamente o forem concretizando. Faz-se todos os dias... A verdade é que a discussão livre e pluralista faz parte do ar que aqui dentro se respira.
A primeira tarefa do CNE é estudar, avaliar, recomendar e pensar medidas para a educação, habilitando, com a informação especializada de que dispõe, os titulares do Poder político, directamente legitimados pelo conjunto dos cidadãos para decidir o que fazer, por quem, quando e como fazer. Mas o CNE não “põe a luz debaixo do alqueire”: a publicação dos seus pareceres, tomadas de posição e recomendações, que compreende já numerosos volumes, mostra que os seus titulares entendem que lhes cabe também promover junto da opinião pública a discussão informada dos temas e problemas da educação no nosso País. Nisto reside o prestígio e a força que, desde as origens, o CNE vem desenvolvendo.
6. Portugal precisa urgentemente – sempre precisou, mas agora, se calhar, mais do que nunca – de um conceito estratégico para a educação, como vem sendo insistentemente advogado pelo Prof. Adriano Moreira.
Qual o grande objectivo de todo o sistema integrado pelas escolas, pelas universidades, pelos estabelecimentos de formação profissional, pelos meios avulsos de formação contínua, etc.? Que papel específico cabe a cada um desses segmentos do sistema? Que fazer e como fazer para realizar tais objectivos?
A verdade é que o mundo educativo, como o mundo social, está em contínua mudança. Aquilo que há décadas parecia sabido, certo e seguro, é hoje ignorado, aleatório e perigoso. Mas, se o mundo mudou, continua a ser válida a máxima de acção segundo a qual são as ideias, e não os factos, que fazem caminhar a história, que é o pensamento ou o sonho que comanda a realidade, e, não, o contrário.
Como adiantou há pouco o Presidente Prof. Manuel Porto, o êxito do sistema educativo é de importância vital para o desenvolvimento económico-social do País e um instrumento decisivo, segundo julgo, para a sobrevivência de Portugal na Europa e no mundo.
7. O CNE tem sabido defender-se de três tentações, que, aliás, assaltam correntemente a órgãos administrativos deste tipo, sobretudo no nosso País. Parecem invenção de um “petit diable”, sempre apostado em, e capaz de, perverter as melhores intenções legislativas.
(1) A primeira é a tentação política. Consistiria ela em transformar este órgão consultivo numa instância de poder dotada da competência para decidir ou executar as políticas de educação. De acordo com a lei vigente, tal não é a sua tarefa – e o Conselho, honra lhe seja, nunca reivindicou, nem na teoria nem na prática, uma competência destas.
Entretanto, hoje é moda, sobretudo entre nós, pretender confiar a autoridades administrativas independentes a decisão ou a execução de matérias tradicionalmente integradas na Administração activa e constitucionalmente subordinadas ao controlo do Governo e do Parlamento. Na linha desta moda, poderá haver quem pense que a educação, por corresponder a um interesse geral transpartidário e permanente da comunidade política, deve ser desgovernamentalizada, passando os poderes decisórios, a ela relativos, para um órgão público, plural e independente – como, por exemplo, o CNE.
Suponho que ainda ninguém defendeu publicamente tal causa. De facto, uma solução assim seria um desastre. No Estado de Direito Democrático a política educativa, exactamente pela sua importância para as gerações actuais e futuras, não pode deixar de passar continuamente pela vontade e pelo senso da sociedade, expressos, por último, através do voto dos cidadãos em eleições democráticas. Em geral, aliás, as autoridades administrativas independentes só em matérias muito contadas, essencialmente técnicas e miudamente regulamentadas, é que fazem sentido numa sociedade democrática. O CNE não é um órgão político; é, quer e deve continuar a ser um órgão da Administração consultiva e por isso desprovido de poderes decisórios.
promoção de uma mentalidade nova no domínio da educação, é parcelar, representando um entre muitos outros que devem ser tidos em conta nas conclusões do órgão.
O CNE também tem sabido fugir desta tentação.
8. Termino com uma saudação muito especial ao novo Presidente, Prof. Doutor Manuel Porto. Pela sua inteligência, pela sua capacidade de realização e pelo entusiasmo e criatividade com que tem sucessivamente exercido altos cargos públicos, cumprindo-os sempre com muito brilho e merecimento, auguro-lhe os maiores sucessos na Presidência do Conselho Nacional de Educação. Do coração lhe desejo muitas felicidades no desempenho do novo cargo.
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Senhora Presidente, queria, em primeiro lugar, agradecer muito este convite honroso para participar nesta Sessão que em tão boa hora foi organizada. Queria também cumprimentar o Prof. Manuel Porto, como Presidente que vai ser a partir de depois de amanhã, e dizer ainda da satisfação que, pelo menos da minha parte, resulta do facto de eu ter sido substituído pela Prof.ª Teresa Ambrósio, e por ver agora o Prof. Manuel Porto assumir a Presidência do CNE. Julgo que há aqui uma continuidade que muito nos agrada, e que muito nos deve honrar a todos os que estamos ligados, directa ou indirectamente, ao Conselho Nacional de Educação.
Quando fui convidado, pensei numa diversidade de temas sobre que valeria a pena reflectir. Pensei nos sistemas de avaliação, na organização do ensino superior, nos “rankings”, nas instituições, na educação pré-escolar, nos sistemas de financiamento, na governabilidade das universidades, na educação ambiental, na exclusão, no alargamento da União Europeia e do processo que o apoia, no desporto escolar, no ensino privado, no livro, na leitura e nas bibliotecas, no ensino e na escola em meio rural, na comunicação social e educação, na importância da televisão, e num tema que me tem vindo a preocupar, que é a escola para estudantes ou a escola de professores. Não vou falar de nenhum deles; mas, grande parte deles, foram tratados pelo Conselho Nacional de Educação, curiosamente. Se folhearmos os pareceres, os colóquios, os seminários e as numerosas iniciativas que o Conselho teve desde 1987, desde a sua fundação, verificamos que há matéria sobre muitos destes temas, diria praticamente sobre todas estas questões que aqui levantei.
Gostava de fazer uma primeira reflexão sobre a minha relação com o Conselho. O Prof. Mário Pinto deu-me a honra e a distinção de me convidar para eu ser Vice-Presidente durante a sua Presidência. Aceitei, voltei a ser Vice-Presidente com o Prof. Barbosa de Melo, e gostava de dizer que o
* Terceiro Presidente do Conselho Nacional de Educação, e cujo mandato decorreria de Fevereiro de 1992 a Outubro de 1995.
Prof. Mário Pinto e o Prof. Barbosa de Melo são duas das minhas referências. Tenho que o confessar, eles sabem-no e gosto de o dizer publicamente. E foi para mim uma grande honra e um grande privilégio ter sido Vice-Presidente com eles no Conselho, e sinto alguma emoção por voltar a este Conselho a que me sinto muito ligado.
Gostava de fazer duas ou três notas sobre a instalação do Conselho. Acho que o Prof. Mário Pinto teve, na constituição e no trabalho inicial do Conselho, um trabalho absolutamente decisivo, para impor o Conselho pela sua qualidade, pelos pareceres que este órgão emitiu e divulgou. O Conselho sempre manteve esta dualidade de emitir pareceres e ter uma agenda própria, e de ser um órgão eminentemente independente, com uma grande autonomia e com capacidade para dialogar com todos os restantes parceiros do processo educativo ou do processo da máquina de administração do Estado, e também da sociedade civil. Acho que os primeiros meses do Conselho foram absolutamente decisivos para marcar o tom do que era o Conselho. Penso que isto se deve ao Prof. Mário Pinto, penso que o Conselho deve muito à figura serena, muito tranquila, mas muito determinada do Prof. Mário Pinto. Presto-lhe esta homenagem, porque entendo que o Conselho deve a sua homenagem ao Prof. Mário Pinto.
Gostava também, como já o fez o Prof. Barbosa de Melo, de recordar o Dr. Emílio Pires. Foi uma figura central, foi grande obreiro deste Conselho, porque era um homem que não gostava da mediatização das suas participações, era um homem que conhecia muito bem o Ministério, conhecia muito bem a máquina da administração, e foi um lutador por praticamente todos os grandes objectivos que o Conselho teve nessa altura.
Este trabalho inicial do Conselho, que marcou o tom para aquilo que o Conselho tem sido até hoje, e que eu penso que continuará a ser, relaciona-se com a preocupação de todos os Conselheiros em fazer do CNE um órgão tranquilo. Um órgão com uma conflitualidade tranquila, em que o contraditório não se exprimia pela agressividade. Acho que esta é uma característica do Conselho. O Conselho é muito respeitado, não é muito divulgado em termos mediáticos, mas isso é bom, na minha perspectiva, porque, quando as coisas são muito divulgadas, normalmente são divulgadas pelas más razões, não são divulgadas pelas boas razões, e o Conselho não sendo muito divulgado, não sendo muito mediatizado, goza dessa vantagem de ter mais boas do que más referências. É um órgão sem truques: diferentemente de outros órgãos, o Conselho impôs-se sem truques e sem ilusionismos.
Houve um aspecto no Conselho que desde o princípio foi defendido, e que acho que é uma grande virtude do Conselho: é que as maiorias formam-se, os pareceres são aprovados, mas todas as declarações de voto são publicadas. E se hoje fizermos uma leitura pelos pareceres ao longo dos anos, verificamos que há muitos pareceres que são acompanhados por declarações de voto, que são tão ou mais importantes do que o próprio parecer e que a própria posição da maioria. Acho que este aspecto, que é o respeito pela posição das minorias, que sempre se verificou no Conselho, é muito importante para enriquecer e fazer respeitar o trabalho do Conselho. Há um ponto no Conselho em relação ao qual hoje, à distância, sou capaz de ser um pouco, não digo crítico, não tenho de ser crítico relativamente a isso, mas em relação ao qual julgo que se poderia melhorar. É que há uma certa tendência de alguns dos parceiros se fazerem representar sempre por professores: julgo que o Conselho precisava de maior participação de quem não é professor. Deveria haver um maior empenhamento, nomeadamente nos órgãos que vêm da actividade económica, para se fazerem representar por verdadeiros representantes dos outros interesses, e não transformar este Conselho apenas num clube de professores, ou de quem tem responsabilidades na educação das escolas ou nos sindicatos dos professores.
Em relação ao futuro: acho que há uma preocupação séria, aliás referida aqui nas duas intervenções anteriores, que é a do Conselho ter ou não ter funções executivas, de controlo, de acompanhamento. O Prof. Barbosa de Melo foi claro, o Prof. Mário Pinto também, acho que este órgão não pode perder as suas características de órgão consultivo e de debate. Ou seja: o Conselho Nacional de Educação ficará, na minha perspectiva, ameaçado pela sua própria destruição, se vier a ter funções executivas, quaisquer que elas sejam, se vier a ter funções de acompanhamento, ou tutela, de qualquer processo ligado a decisões, nomeadamente em áreas sensíveis.
Queria fazer duas reflexões finais: uma sobre os pactos de regime e outra sobre aquilo a que o Prof. Barbosa de Melo chamou o sentido estratégico da educação. Às vezes fala-se num projecto para a educação: a educação não é um projecto, a educação é um processo, e ter-se um projecto para a educação é sempre uma coisa muito complicada. Acho que um projecto para a educação é sempre algo que tem a ver com o Estado a querer impor um modelo a alguém. Mas outro conceito é o de se poderem encontrar alguns pontos de contacto, e alguns objectivos e definição de meios, definição de aliados para, na área da educação, poder construir algo para além do que são legislaturas. O Conselho fez alguma coisa sobre isso, eu próprio, na altura devida, tentei fazer alguma coisa por isso. Acho que a área política não quer fazer isso. Porque a área política não quer deixar de ter mais um palco da luta política, e a educação é um palco excelentemente político. E, portanto, quando se propõe um pacto de regime, um pacto educativo, ou acordos de longa duração, os políticos têm muita dificuldade em entender isto. Têm muita dificuldade em assumir que é possível encontrar pontos de contacto. Mas, este Conselho mostrou, em muitas áreas, que não só era desejável, como era possível encontrar, num diálogo permanente, muitos pontos de contacto entre os vários parceiros que estão ligados à educação, e isso poderá ser um contributo muito significativo para
o futuro da educação.
A minha última nota é sobre uma grande preocupação minha. A preocupação é que o país tem 60% da população com o máximo de seis anos de escolaridade: mas quando interrogados, os portugueses, sobre se estão ou não satisfeitos com a formação que têm, 70% estão satisfeitos com a formação que têm. E, portanto, ou as pessoas têm muita dificuldade em assumir que a sua formação é insuficiente, ou estamos perante um problema que, na minha perspectiva, é um problema de fundo, e que consiste na falta de exigência por parte da população em relação à escola. Penso que esta questão de a escola não ser exigente e de os professores não serem exigentes, é uma crítica que é feita com fundamento. Mas penso que a falta de exigência da escola e de muitos professores, é apenas uma representação da falta de exigência das famílias, dos pais e dos próprios estudantes – quem aqui não é exigente é a população. Não somos exigentes perante a escola, todos nós. A educação não está do lado do trabalho, do esforço, do sacrifício. A educação está do outro lado: está do lado em que isto é para ir fazendo, e os miúdos passam e depois a gente fala com o director e depois ele tem a nota. E este jogo é o jogo que, na minha perspectiva, é mais difícil combater, e que, seguramente, tem muitas consequências negativas em muitos outros sectores.
Não tenho a ideia catastrofista e tremendista que hoje se instalou em muitos sectores, por força de um discurso que é um bocadinho massudo, mas que é um discurso que passa bem na televisão. É um discurso muito televisivo, e mediaticamente é muito bom, porque é aquilo que sobressai: quem apresenta a catástrofe tem sempre quinze segundos, trinta segundos, mas sempre tem qualquer coisa de televisão. Não tenho essa visão catastrofista, mas tenho uma profunda preocupação em relação a esta matéria, e penso que a partilho com muitos dos Senhores Conselheiros. Julgo que é uma área em que vale a pena perceber que o País e a educação, sobretudo, não são aquela catástrofe que nos é apresentada diariamente, sobretudo na televisão. Quando se passa, quando se visita, quando se vai às variadíssimas escolas que há pelo País e se percebe a capacidade de inovação enorme que há nalgumas delas, quando se percebe o esforço fantástico que os professores fazem – sobretudo as professoras, porque o que há hoje nas escolas são professoras –, o esforço fantástico que é feito todos os dias, vêem-se experiências umas mais consolidadas, outras menos consolidadas, que são experiências admiráveis das escolas, projectos interessantíssimos, desde o pré-escolar até aos cursos de doutoramento das universidades.
Tenho, nesta matéria, uma visão bem positiva. Há quem distinga os pessimistas e os optimistas, aqueles que vêem o copo mais cheio, outros vêem o copo mais vazio, e os engenheiros costumam dizer, “o copo é que não tem o tamanho da água, o copo é excessivamente grande, devia ser mais pequeno para ter o tamanho da água”. Julgo que temos de nos adaptar àquilo que somos capazes de fazer, e entendo que somos capazes de fazer muito, porque há muitas escolas em que se faz muito mais do que as pessoas pensam. A grande maioria das pessoas em Portugal, – acho que isso é um factor de reflexão aqui para o Conselho Nacional de Educação –, está convencida que as escolas são uma catástrofe, sobretudo aquelas que não têm filhos na escola. Há um estudo de opinião muito interessante de aqui há uns anos atrás, que mostrava esta coisa absolutamente extraordinária: é que quando se perguntava se as escolas eram seguras ou inseguras, os pais que tinham filhos na escola, achavam que a escola é segura, e os pais que não tinham filhos na escola, achavam que a escola não é segura. Mas hoje as regras do jogo são estas: é que só existe quem aparece na televisão, só é verdade o que foi dito na televisão, sucede que muitas instituições, muitas escolas, muitos projectos, muitas iniciativas, de muitos professores e de muitos cidadãos, não são capazes de reflectir a imagem daquilo que se faz. Hoje as regras do jogo são estas, e são estas aquelas que, infelizmente, contam para nós todos.
E, portanto, entendo que o Conselho Nacional de Educação, que tem um currículo notável no que respeita à reflexão, no que respeita ao debate e à procura dos consensos, tem seguramente um papel enorme a desempenhar no futuro. E se o Conselho puder, como tem feito até agora, continuar, como eu penso que com o Prof. Manuel Porto continuará a ser, um instrumento capaz de divulgar o que são muitas das boas práticas, porque tantas boas práticas têm passado por esta sala ou por outras salas de seminário, isso seria extremamente importante. Acho que é possível mostrar que aquilo que parece um objectivo tão longínquo, é um objectivo que está ao alcance de todos nós, e que está ao alcance da maioria das escolas portuguesas. Haverá sempre escolas boas e escolas más, mas é preciso fazer um grande esforço para que as escolas boas signifiquem, constituam elementos de referência para todas as outras. Penso que o Conselho tem aí um papel absolutamente decisivo, no sentido da divulgação daquilo de bom que este País faz.
Desejo as maiores felicidades ao Prof. Manuel Porto, a todos os Senhores Conselheiros, formulo votos de bom trabalho nos próximos quatro anos, sob a presidência do Prof. Manuel Porto, que são anos em que se vai seguramente consolidar a imagem do Conselho.
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O trabalho que no CNE tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos deve-se inquestionavelmente aos pilares aqui deixados pelos Senhores Presidentes que me antecederam. São eles fundamentalmente os seguintes que relevam dos discursos que acabamos de ouvir:
– um lugar de confronto e debate que o Prof. Mário Pinto promoveu; debate de confronto de ideias conduzindo o CNE a um nível superior, isto é, a um nível esclarecido que representa a cultura deste órgão superior. É uma cultura e sensibilidade política diferente da de um órgão executivo, ou a específica da Assembleia da República, ou a de qualquer órgão partidário. Assim se alcançou a independência, a autonomia do CNE, por um lado, e se vem construindo a função de concertação educativa própria de um órgão mediador e regulador social;
–o sentido de Estado que o Prof. Barbosa de Melo nos apresentou ao dizer que via o Conselho Nacional de Educação como uma instância, um espaço onde, através da Educação, se pensava a nação, se pensava o desígnio nacional, se pensava o conceito estratégico de Educação, de que fala tanto o nosso Conselheiro Prof. Adriano Moreira. Foi esta visão global, de futuro, humanística, que o Prof. Barbosa de Melo imprimiu, que dignificou o lugar de relevo deste Conselho;
–alargamento da representatividade da sociedade civil que o Prof. Marçal Grilo aqui sublinhou e que visou a criação da possibilidade de confrontação de posições e de expectativas dos parceiros socioeducativos. Assim, o CNE se vem afirmando como um lugar de confrontação democrática para obter acordos interparceiros com repercussão a nível nacional. Por outro lado, a presença da sociedade civil introduziu novos temas que não apenas aqueles que estão normalmente na agenda escolar.
* Quarto Presidente do Conselho Nacional de Educação, com um primeiro mandato, de Maio de 1996 a Junho de 2000, e um segundo mandato, de Junho de 2000 a Julho de 2002.
Creio que, sem estes pilares, não teria sido possível o trabalho que prosseguimos numa época em que a democracia no nosso país avançou e a Educação sofreu grandes mudanças. Com efeito o conceito da Educação de há quinze anos e o espaço/tempo do seu exercício sofreu profundas alterações. Basta ter em conta o que hoje entendemos por Educação ao Longo da Vida, por Sociedade Educativa, para imediatamente percebermos que a Educação não é hoje uma mera questão escolar. É mais, é muito mais do que isso. A Educação está no centro do desenvolvimento humano do País e sustenta a procura do desígnio nacional. Um desígnio que se vai cumprindo através de uma democracia avançada, participativa, uma democracia dialogante, dialógica, reflexiva. E isto pressupõe que ao Conselho Nacional de Educação talvez possa ser pedido mais alguma coisa que simples, embora oportunos, pareceres. Essa mais alguma coisa, se bem interpreto as palavras do Senhor Ministro da Educação, não são apenas os pareceres consultivos que temos de dar. Obviamente que é uma consulta em lugar próprio mas cujo resultado não é o somatório de opiniões que publicamente se exprimem mas provêm do confronto democrático de necessidades, projectos e ideias, da construção de acordos comuns e de plataformas de acção. Como tanta vez nos alertou o Senhor Conselheiro Rui Alarcão é necessário também apontar um novo modelo de governabilidade que assente, fundamentalmente, no caso da Educação, na contratualização e regulação social. Encontrar um caminho de futuro para a Educação – isto é, um projecto com justificação filosófica, uma política com viabilidade e uma administração com regulação social – creio ser um dos objectivos, uma das funções nobres deste órgão superior, de consulta e concertação. Aqui a sociedade civil organizada pode encontrar-se para dialogar, para debater, para ousar encontrar soluções para solucionar problemas difíceis com que nos confrontamos, nomeadamente a expansão, a democratização, a qualidade da Educação.
As mudanças esperadas nas funções educativas do Estado, das entidades particulares, das empresas, das associações cívicas são de tal maneira profundas que temos de ultrapassar as questões técnicas de administração educativa, os conteúdos educativos e a formação e gestão dos recursos humanos, para nos concentrarmos também nos princípios axiológicos da Educação. Hoje precisamos, mais do que há anos atrás, de um pensamento educativo, de uma nova filosofia educativa. Precisamos de voltar aos grandes ideais de Educação para contribuirmos para a definição de uma política educativa onde os objectivos de formação dos recursos humanos do país, mas também de cidadãos autónomos e participativos, sejam igualmente visados.
Para definir esses objectivos urge ter uma opinião pública esclarecida e que os representantes dos novos parceiros socioeducativos, para além das organizações de professores, estudantes e escolas, nos tragam ao Conselho a visão dos grupos económicos, culturais, científicas que representam e confrontá-las com o interesse público, o bem comum, os avanços do conhecimento. A presença de personalidades cooptadas, representantes do Governo e outras de instituições de solidariedade e da cultura são garantia deste confronto aberto e formal. Compete também a este Conselho, através das múltiplas intervenções públicas que pode organizar, promover o esclarecimento e o debate público, introduzindo ainda para maior esclarecimento, o contacto com investigadores e a difusão dos avanços do conhecimento científico na área da Educação. Só assim é que julgo ser possível solicitar co-responsabilidade social na Educação a todos os parceiros da sociedade civil e ao Estado.
O Prof. Marçal Grilo falou também em algo que foi muito caro na altura em que foi Ministro, o pacto educativo. O País não estava preparado, provavelmente, para o pacto educativo proposto. Porém, hoje fala-se frequentemente da necessidade de um novo contrato socioeducativo ou de contratos educativos, de universidades, de escolas. O contrato socioeducativo que, um pouco por todo o lado – nas instâncias comunitárias, políticas e académicas se fala – é o contrato socioeducativo que passa pela valorização da dimensão da cidadania e da educação para a cidadania.
Por último, permitam-me que reflicta em voz alta sobre aspectos de funcionamento do CNE, que seria bom que fôssemos tentando melhorar. O facto de existir um Conselho Nacional de Educação, o facto deste Conselho emitir Pareceres devidamente informados, baseados na discussão e na obtenção de acordos, deveria conduzir a que as estruturas governamentais fossem mais flexíveis à aceitação desses Pareceres. Todos nas estruturas de negociação e decisão política, nomeadamente a Assembleia da República, o Governo, ganhariam democraticamente em integrar o trabalho feito pelo Conselho, e optimizar os resultados que aqui se alcançam. Assim, se iria construindo o tal modelo desejável de governação com regulação social.
Por último, queria finalizar afirmando que o Conselho é um órgão de cúpula nacional que talvez não tenha muita razão de existir se não houver órgãos regionais. Tivemos muita esperança na criação dos Conselhos Locais de Educação e esperamos que a concertação educativa que aqui tentamos prosseguir se territorialize, porque a participação política, social, educativa exige proximidade das pessoas e conhecimento da diversidade de contextos locais.
Senhoras e Senhores, prezados Conselheiros agradeço a todos, mais uma vez, a possibilidade que me deram, ao longo destes últimos seis anos, de dialogar com tantas personalidades que conhecem e se dedicam à Educação, que trabalham em inúmeros espaços educativos, escolas e não só, e adquirir a convicção de que a Educação não é um sector da vida nacional, paralisado, sem qualidade mas, ao contrário, é um sector vivo, com bolsas de inovação, dinâmicas locais e sobretudo dedicação e entusiasmo de muitos que a ela se dedicam.
Por esse motivo é com muito prazer e confiança que, se me permitem assim exprimir o que sinto neste momento, transmito ao Prof. Manuel Porto,
o património e a história deste órgão que ao longo de quinze anos se foi construindo com a dedicação de todos os presentes.
Há três ou quatro notas que, entre outras, me impressionaram e gostaria de sublinhar.
Uma primeira é de constatação da actualidade reforçada da filosofia de actuação e das linhas de conduta definidas na primeira presidência do Prof. Mário Pinto. É impressionante como estes quinze anos vieram mostrar que eram correctas a filosofia e as linhas traçadas, aqui recordadas por ele.
Da intervenção do Prof. Barbosa de Melo retenho o ‘conselho’ de que devemos resistir às três tentações que mencionou, a tentação política, a tentação burocrática e a tentação académica.
Do Prof. Marçal Grilo fixei designadamente a ideia de que uma das virtudes deste Conselho foi ter tido sempre uma ‘conflitualidade tranquila’. Gostei muito desta expressão, é uma conflitualidade tranquila e construtiva. Se a conflitualidade se verifica com boas razões, com bons argumentos, não pode aliás deixar de ser tranquila. Poderão defender-se pontos de vista diferentes, mas com o sentimento de se estar a contribuir para que se chegue a conclusões válidas, que possam ter influência, pelo seu próprio mérito, na resolução de problemas de tão grande relevo.
Quanto à Prof.ª Teresa Ambrósio, há bocado não quis dizê-lo, quis deixá-lo para esta ocasião. Tendo-me sido colocado no carro, ao regressar, um volume enorme de documentação, devo dizer que fiquei impressionado com o trabalho que aqui tem sido desenvolvido. Foi despertado por isso em mim um sentimento de responsabilidade, mas estou seguro de que, com as pessoas que continuam como Conselheiros, com os que virão juntar-se a nós, bem como ainda com a coordenação do Senhor Secretário-Geral e o apoio dos Serviços, se trata de tarefa que vai ser prosseguida da melhor forma.